Zitiervorschlag: Anónimo (Bento Morganti) (Hrsg.): "Num.° 7.", in: O Anonymo. Repartido pelas semanas, para divertimento e utilidade do publico, Vol.3\007 (1754), S. 53-60, ediert in: Ertler, Klaus-Dieter / Fernández, Hans (Hrsg.): Die "Spectators" im internationalen Kontext. Digitale Edition, Graz 2011- . hdl.handle.net/11471/513.20.4522 [aufgerufen am: ].


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N.°. 7

Modo de desterrar os obstaculos que impedem a fazer bem ao proximo.

Ebene 2► Metatextualität► Confesso na verdade que nam sei como me heide haver com os meus Leitores, porque tenho ouvido falar com tanta variedade nestes papeis, que dezejara a certar (sic) com o gosto de todos; idéa certamente nam so difficultoza, mas a meu ver impossivel; e jà me tivera deixado disto a nam considerar a verdade de huma maxima, que quando hum homem faz alguma coiza destas, que nam concorda com o gosto de huns, lá dará com o gosto de outros que aprovem, e quando al-[54]guns o aplaudirem sempre devo considerar tambem, para me nam desvanecer, que naõ hade faltar quem o dezaprove, e como isto he tam antigo no mundo, vou andando cem este trabalho porque por cauza de huns, nam percam os outros; diga mal quem o quizer dizer, pois se com justiça emtendem (sic) que o podem fazer do Anonymo, do que elle diz certamente o nam podem dizer, pelo cuidado que poem em instruir, e nam escandalizar. Suposto o humor malencolico, que hoje mais do ordinario, me predomina, hade ser o papel mais serio, e mais proveitozo que he o principal intento que levo; e hade ser sobre os obstaculos que embaraçam o homem a fazer bem, os quaes se devem vencer, e desterrar para se pôr no estado de ser util no mundo; e isto nam he de tam pouca utilidade como alguns com menos advertencia se podem persuadir. ◀Metatextualität

Ainda que o humor interessado, e pouco communicativo esteja muito em moda no mundo, e seja o que maes frequentemente se encontre, com tudo nem por isto devemos concluir, que este he o temperamento em geral de todos os homens; porque ainda ha muitos que estimam, e dezejam fazer bem, acudir aos outros quãdo podem, e em quem a felicidade (para me explicar assim) he mais reflexa, que directa, ou immediata. E ainda que estas almas nobres, e generozas sejam em muito pequeno numero, e tam elevadas sobre a multidam das outras, que se póde entender que sam de huma outra especie, com tudo a sua natureza he a mesma conduzida pelos mesmos principios, e dotada das mesmas qualidades effenciaes, cultivadas sim, e rafinadas por meyo de huma boa educaçam. A agoa he o mesmo corpo fluido assim de Inverno, como de Veram, ainda que se veja convertida em gelo pelo rigor do frio, ou que corra, e regue os campos. A propriedade natural [55] do coraçam humano he amar, e estimar o dilatarse muito; e dezejar hum grande bem a toda a vasta extensaõ da creaçam; e se ha alguns, que nam sam poucos, que recolhidos em si mesmo naõ amam mais que ao seu proprio individuo, sem parecer, que se interessam para como os da sua mesma especie, he precizo crer, que o seu bom natural está gelado, e detido para as suas operaçoens pela força predominante de alguma qualidade contraria. Pelo que procurarey mostrar alguns dos principaes obstaculos que se oppoem a esta generoza inclinaçam das nossas almas, para ver se com isto descobrimos algum meyo de remedear este defeito, e de a restabelecer no livre exercicio de suas funçoens naturaes.

A primeira, e principal cauza he o infeliz temperamento do corpo. Fremdportrait► Os Pagãos, que naõ conheciam o verdadeiro principio de donde procedia o mal moral, o attribuiam principalmente à obliquidade da materia, que suppondo-a eterna, e independente, algumas de suas propriedades naõ podiam admittir mudança, nem ainda por todo o poder de Deos, porque quando veyo a formar o mundo se vio precizado a tomala no estado em que a achou. E nam sómente esta idéa, mas tambem a maior parte das que elles tinham, era huma mistura de verdade, e de erro. ◀Fremdportrait Adiantarse a dizer que a materia he eterna; que depois da sua primeira uniam com huma alma, lhe perverteo as suas inclinaçoens; que a maligna influencia, que tem sobre o espirito, nam poderia ser emmendada pelo mesmo Deos, tudo nisto sam erros grandes, aos quaes huma verdade que nam he menos evidente pòde ter dado algum lugar naquellas idéas; quero dizer, que as faculdades, e as dispoziçoens da alma dependem, em grande parte, do temperamento do corpo. Assim podem dizer que ha loucos naturaes, como tambem embusteiros, e homens [56] de pessima qualidade, que sam taes sómente pelo effeito da maquina, que naceram com huma certa qualidade de espirito que os conduz para a avareza; que a materia de q̃ se compoem he tam tenaz como agrude, e que huma especie de cadeado lhe fexa as mãos, e o coraçam de sorte, que nunca as querem abrir a nam ser para apanhar aquillo que lhe nam dam; ou o que os outros possuem. He precizo confessarmos, que he esta huma infeliz constituiçam, mas he acompanhada de huma ventagem sobre os que se lhe nam dá de se absterem de fazerem ao proximo alguns bons officios: isto he, que em lugar, que as pessoas de hum natural generozo tomam de ordinario o instincto para a virtude, por cauza da dificultade que ha de distinguir quando hum, o outro destes principios he que os governa; os de hum caracter opposto a este podem certificarse mais do motivo que os anima em cada huma de suas acçoens. Se os ultimos nam sabem conceder hum beneficio com este ar livre, e este dezembaraço de animo que sam necessarios para lhe darem alguma graça nos olhos do publico, em desconto disto, o merecimento real da acçam recebe alguma coiza de especial pela dificuldade que tem em vencer a sua propria inclinaçam. A força da sua virtude parece que nisto, excede o pezo da natureza, e sempre que tomam a rezoluçam de consentir no que devem, sacrificam à conciencia a sua inclinaçam, que está sempre prompta a dominar os que a seguem. Póde ser que a inteira cura desta má qualidade nam seja menos imposivel, do que sam as de outras enfermidàdes hereditatias (sic). Com tudo se ha algum meyo para ter effeito, pareceme que he o de huma continuada serie de genorizidades, por meyo das quaes se póde chegar a este fim, e que por ellas se póde formar huma habituaçam moral, que póde servir [57] de contrapezar a força do mecanismo; mas nam se deve perder occaziaõ alguma, debaxo de qualquer pretexto que seja, de fazer algum bem ao proximo; porque a menor interrupçam póde dar lugar à natureza, que sem cessar se acha sempre no auge de tomar seu antigo costume, e de recuperar em poucos dias todo o terreno que tiver perdido em muito annos. Ha pelo menos esta differença entre a habituaçam do espirito, e as do corpo, que as ultimas, para este se fortificar, necessitam de nam serem contrastadas, em lugar que as outras se devem sempre renovar a todas as horas, porque de outra sorte se enfraquecem, e por ultimo se extinguem. Isto mesmo nos insinua a razam porque he necessario mais tempo em geral para se arreigarem os bons habitos, e muito menos para os maos; pois os viciozos (por exemplo a bebedisse) deixam sinaes muito profundos no corpo, o que nam sucede a respeito dos primeiros, que devem ser conservados pelo mesmo meyo com que se adquiriraõ, isto he por força da industria, da rezoluçam, e e vigilancia.

Outro obstaculo que impede os effeitos da generozidade he o amor do mundo, que procede de huma falsa idéa que delle se tem, considerando-se que para se fazer a vida feliz se devem acumular quantidade de bens temporaes, saõ estes de huma tal natureza que a sua divizam os diminue, e quanto mais pessuidores ha menos cabe a cada hum em particular. Disto se segue que os homens olhaõ huns para os outros de mà vontade, e que todos aplicados ao mesmo intento, imaginaõ que hum, os naõ pode alcançar sem ser com prejuizo do outro. Daqui procede o grande numero de concorrentes para os bens, e para as honras; que o bom successo de hum, faz a mizeria do outro, e que todos semelhantes aos rios, que correm todos para o mar, a penas entre elles se acha [58] ainda a mais commua (sic) caridade. Naõ he porque elles naturalmente sejaõ dispostos a se injuriar, ou a querer-se mal; mas he natural a cada homem querer-se preferir aos outros, e cuidar em primeiro lugar no seu proprio interesse. Se isto em que os homens querem que consista a sua felicidade fosse como a luz, hum bem universal, e sufficiente para todos, ou haja dez mil que delle gozem, ou hum só, veriamos que a sua benevolencia, e a sua generozidade seriam tambem universaes.

Mas a disgraça he o que os homens concordam em escolher objectos que inevitavelmente os introduzem em hũas continuadas disputas: por isso devemos aprender nos homens sabios a estimar as couzas pelo que valem. Nam se devem dezejar os bens deste mundo mais dos que sam necessarios para passar a vida com alguma suavidade. Devemos olhar para tudo, o que he fora disto, nam somente como inutil, mas como hum embaraço verdadeiro. Nam se deve pôr a nossa felicidade nas couzas que nam podemos conseguir sem dellas privarmos os outros, e por este caminho faelos nossos inimigos; e que huma vez conseguidas hamde de dar mais embaraço para as guardar, que gosto para as possuir. A virtude he hum bem muito mais nobre, e se augmenta com a comunicaçaõ, e tem tam pouca semelhança com as riquezas mundanas, que quanto mais espalhada se acha em differentes maõs, mais o cabedal de cada hum se augmenta. He huma luz que serve para alumiar os homens, e quantos mais ha que gozem della, muito mais resplandesse naõ sómente em geral, mas tambem em particular. Finalmente deve haver huma lembrança de que se as riquezas sam hum meyo de procurar os gostos, o mayor que ellas podem dar, he o fazer bem, e servirem de utilidade para os mais. Alem disto a actividade dos orgaõs dos nossos sentidos tem huns limites muito aper-[59]tados, e os nossos apetites de pressa se acham satisfeitos; e desta sorte quem será o homem mais feliz? Ou o que naõ olha se naõ para a satisfaçam dos seus dezejos, que nam póde deixar de gozar huns gostos muitos limitados, ou o que se emprega em ter parte na satisfaçam dos outros, principalmente naquelles que elle mesmo lhe procura, e que por seu meyo comunica alguma extensam á espera da sua felicidade?

O ultimo obstaculo de que falaremos, e que se oppoem ao humor de beneficiar, he a geral inquietaçam de que procede. Hum espirito agitado por algum crime, ou descontente: hum espirito confuzo pela má fortuna que experimenta, desconcertado pelas suas paxoens, ou por qualquer outro accidente, nam tem lugar de examinar a justiça, e a necessidade de hum favor que se lhe pede, nem tem gosto algum naquelles que acompanham a generozidade, e que nam tocam senam a hum espirito socegado, e dado à virtude. O mais mizeravel de todos os Entes he aquelle que he mais cheyo de inveja; e o que goza da maior felicidade he aquelle que he mais comunicativo. Se buscarmos a rezidencia de hum perfeito amor, o nam havemos achar senam na morada dos Bemaventurados, onde a felicidade passa de hum coraçam a outro, em huma circulaçam perpetua, e nam conserva a sua doçura, e a sua pureza senaõ por este movimento. He advertencia muito antiga, que aquelle que vai pedir algum favor a outro, deve medirlhe o tempo, isto he ver quando está de bom humor, e prompto para fazer tudo que se lhe pedir. Os que se acham convencidos da sua integridade, satisfeitos de sy mesmos, e de seu estado, cheyos de confiança no ser Supremo, e de esperança de huma immortalidade glorioza, olham para tudo o que os cerca, com huma vista cheia de benevolencia; e sam como aquellas arvores plantadas em hum terreno [60] fertil, que se acham cheyas de fructos, com cujo pezo os ramos se inclinam, e os offerecem a todos os que os querem colher. Finalmente, se o espirito nam tiver esta tranquilidade, he hum final infalivel de que nam està no seu estado natural; e naõ ha mais que procurar se reduza a elle, e logo veremos como segue a sua inclinaçaõ que o obriga a ser bemfeitor, e ajudar o proximo em tudo quanto pode. ◀Ebene 2

Lisboa:

Na Officina de Pedro Ferreira, Impressor da Augustissima Rainha Nossa Senhora. ◀Ebene 1