Num.° 3. Anónimo (Bento Morganti) Moralische Wochenschriften Klaus-Dieter Ertler Herausgeber Hans Fernández Herausgeber Elisabeth Hobisch Mitarbeiter Pascal Striedner Mitarbeiter Sarah Lang Gerlinde Schneider Martina Scholger Johannes Stigler Gunter Vasold Datenmodellierung Applikationsentwicklung Institut für Romanistik, Universität Graz Zentrum für Informationsmodellierung, Universität Graz Graz 04.10.2018 o:mws.7011 Anónimo (Morganti, Bento): Terceira Collecçam dos Papeis Anonymos. Lisboa: Pedro Ferreira, 1754, 21-28 O Anonymo. Repartido pelas semanas, para divertimento e utilidade do publico 3 003 1754 Portugal Ebene 1 Ebene 2 Ebene 3 Ebene 4 Ebene 5 Ebene 6 Allgemeine Erzählung Selbstportrait Fremdportrait Dialog Allegorisches Erzählen Traumerzählung Fabelerzählung Satirisches Erzählen Exemplarisches Erzählen Utopische Erzählung Metatextualität Zitat/Motto Leserbrief Graz, Austria Portuguese Philosophie Filosofia Philosophy Filosofía Philosophie Filosofía Moral Morale Morale Moral Morale Moral Adelskritik Critica della Nobilità Critics on Nobility Crítica de la Nobleza Critique de la noblesse Crítica da nobreza Portugal -8.13057,39.6945

N.°.3 Da Sabedoria.

Huma das couzas que mais provoca ao rizo, e ao mesmo tempo inspira a reflexaõ, he ver, e observar certos genios, que inchados pela sua vaidade, e pela força da sua propria imaginaçaõ se querem sempre distinguir como sabios, e ser escutados como oraculos, porque se persuadem que cada palavra que proferem he huma sentença, e que cada discurso que fazem he huma quinta essencia do mais solido, e mais dilatado raciocinio. Algumas vezes que me encontro com hum destes espiritos, assim que aparece nunca o perco de vista, para examinar com attensam, atè donde chegam os effeitos da sua vaidosa prezumpçaõ e quasi sempre reparo em que comprimenta poucos, fala só com alguns, e quasi sobre posse, e immediatamente busca o melhor lugar, que de ordinario he entre as Damas, que como mais credulas lhe formam hum vistozo auditorio, e logo principia a espalhar entre aquella agradavel tropa de parciaes, hum numero infinito de Decizoens, repartindo como por favor o ouro das suas palavras. Hum destes genios bem pode ser rico, bem instruido; e cheyo daquellas prendas que adquiridas pelo estudo, e pelo exercicio fazem hum homem civil, mas de ordinario se acham nelle tam arruinados estes principios da boa educaçaõ pela vaidade que concebe da sua grande sabedoria, que parecem mortos em hum corpo vivo, ou que sòmente os contempla a imaginaçaõ como passados no immovel simulacro da vaidade, e he pena que entendo acompanha hum destes, naõ ter existido no tempo de Paganismo, porque cuido faria toda a boa deligencia para que construindo-se algum Templo, fosse a sua Estatua ainda que tenue, e breve, a quem se dedicassem os cultos excessivos, e agigantados. Isto que repetidas vezes observo, me faz lembrar dizer alguma couza sobre o argumento da sabedoria, para dezenganar o vulgo ignorante, mostrando que naõ ha no mundo quem inteiramente a pessua, e que he fatuidade reprehensivel haver quem imagine, e se desvaneça que tem este dom completo. Mas por donde darey principio a este asumpto da sabedoria? Se quero principiar pela consideraçaõ do seu nome, como ordinariamente fazem os Filosofos, acho que o toma (assim Divina como he) das couzas sensiveis, a materiaes. E S. Bernardo especificou que o gosto, e os sabores, saõ os primitivos authores da sua denominaçaõ. Se quero deixar este principio, e discorrer pelo da sua difiniçaõ, esta nos naõ pode instruir melhor, porque della ainda se naõ tem concordado qual he o verdadeiro Sabio que ella deve, ou pòde formar. A sabedoria, como diz o Orador Romano no primeiro livro das obrigaçoens da vida, he a ciencia naõ sómente das couzas Divinas, e humanas, mas tambem de todas as cauzas de que ellas dependem; sejame licito referir pelas suas proprias palavras a authoridade deste grande orador, porque pode ser que estes papeis vaõ parar por a cazo as maõs, de quem entende muito bem a lingoa em que elle fallou; Sapientia estrerum divinarum, humanarum, causarumque, quibus he (sic) res continentur scientia. E quem he o que póde ter esta perfeita luz, das couzas divinas, e humanas, com o conhecimento das cauzas que as produzem? E aonde se acharà hum espirito, que se possa com razaõ desvanecer de poder penetrar até donde he precizo chegar, para estabelecer sobre taes fundamentos esta pertendida ciencia? Certamente só possue huma conhecida vaidade, e presumpçaõ quem pertende mostrar que a chega a possuir. O Sabio dos Estoicos he disto huma prova manifesta, como descreve. Horacio:

Si dives qui sapiens est, Et sutor bonus, solus formosus, e est Rex.

He isto huma fantasma taõ medonha, e taõ grotesca, que a imaginaçaõ mais fina, e mais apurada a naõ pode deixar de conceber como huma extravagancia qualificada; porque naõ possue sómente as boas qualidades que acabo de referir nos sobreditos termos latinos, mas ainda seria mais perfeito que todos os Deozes que admittia a sua Religiaõ, exceptuando Jupiter, e tambem o excederia nisto, em que Jupiter tinha por sua propria natureza todas as ventagens com que se considerava, e elle as tinha adquirido por sua propria industria, sem ser inferior em couza alguma (excepto na immortalidade) a este Deos supremo do gentilismo, a quem tinhaõ obrigaçaõ de reconhecer. Mas naõ foraõ só os Estoicos, que cahiraõ neste prodigizio delirio, ainda que elles foraõ sim os que os levaraõ mais lonje, que todos os outros Filosofos Paganos, Porque Antistenes, fundador da feita cynica, sustenta como os outros em Diogones Laercio, que todos os bens que os mais homens possuem pertencem de direito ao que he sabio, Sapientis esse quae caeterorum sunt omnia. O outro Diogenes da mesma familia, e a quem a sua pipa fez tam celebre no mundo, quer que o seu sabio reconheça sómente as couzas dignas de serem amadas, alem de o fazer de tal forte impecavel, que segundo o seu conceito, ainda o mesmo sacrilegio se lhe naõ deve imputar como crime. Suposto que esta invectiva naõ deixa de entrar na classe das muitas irregulares que nos deixou escriptas, e concorda muito com a outra de Theodoro chamado o Atheo, que se acha escripta em Hesychio Illustrio, a qual por ser alguma couza indecente julgo naõ ser conveniente expola ao vulgo, e ao commum, em quem de ordinario falta o bom senso, ainda que a refere hum Author grave, e de boa nota, só direy em summa, que aquelle Filosofo entendia que a prohibiçaõ de muitas couzas dependia mais da oppiniaõ popular, do que da sua propria natureza, e para os que endendem latim refiro as suas proprias palavras: Sapiens furto, adulterio, sacrilegioque deditus erit, ex uso temporis, horum enim nihil natura turpe, si tollas popularem de his oppinoem, quae ad continendum in officio vulgus hominum recepta est.

Os Mesmos Estoicos foraõ tambem favorecidos por Epicuro no atributo que davaõ ao seu sabio, de que naõ podia deixar de o ser, depois de ter huma vez adquirido a sabedoria; assim o refere o texto do que lhe escreveo a vida: Eum qui simel (sic) fuerit sapiens, in contrarium habitum transire non posse. Mas sem particulariar (sic) mais todas as qualidades de hum sabio fantastico, nada me parece mais absurdo, que a razaõ em que se fundaõ para sustentar que nisto naõ entra nada de Chimerico, e que o Mundo nunca esteve se hum sabio tal, como elles o reprezentaõ, porque o bem deste universo quis que a idea que tenhaõ se realizavasse em alguma de suas partes. Seneca assim o defendeo, como Estoico, em diversos lugares, e especialmente no setimo, e ultimo capitulo do livro da constancia do sabio, intitulado por alguns o segundo livro da tranquilidade da alma. Mas ainda que este grande Filosofo diga, que a condiçaõ da nossa humana naturezam, e o bem deste mundo requeiraõ que se ache sempre hum homem taõ Etereoclito como o sabio que elle pertende, posso contra elle argumentar por tudo o que se ve no mundo, e por tudo o que experimentamos, e comprehendemos da nossa fraca natureza, que ella nunca produzio, nem poderá produzir em tempo algum nada que iguale as perfeiçoens de que elle reveste este simulacro da virtude. Que couza ha no mundo mais tenue, e mais fraca que o homem por qualquer principio que se considere? He a nossa vida, segundo a reprezenta Democrito a Hypocrates, huma enfermidade continuada, e complicada a respeito das duas partes que cõstituem o nosso todo, por cauza da sua estreita, e intima uniaõ. E naõ se podendo duvidar de que isto assim he, de que Elementos se pode dizer se compoem aquelle sabio inalteravel, e que couza se pode conservar sempre firme sobre o cubo em q̃ se achar hũa vez colocada? Certamente descubro hum grande vacuo em todas as razões que pertendem estabelecer o contrario, este fosse necessario insistir mais contra ellas, ainda se pode achar muito mayor contradiçaõ. Mas ainda q̃ cuido naõ ha muita necessidade de insistir nisto para o convencimento da verdade, vamos adiantando mais o discurso ainda q̃ naõ seja se naõ para encher a folha, e acabe adonde acabar. Os mesmos Estoicos difiniraõ em infinitos lugares, o seu sabio por hum homem de todas as horas. Estabeleceraõ muitas vezes por axioma constante, que naõ havia quem fosse prudente, e avizado em todas occasioens: nemo omnibus horis sapit, como disse, Plinio. Assim sem dificuldade resulta que aquelle homem de todas as horas se naõ póde realizar como pertendem, e que naõ póde ser concebido se naõ como huma fantasma da imaginaçaõ, ou como huma cruz rozada de que quiz abuzar a credalidade dos mais simples. E na verdade naõ ha mais que a verdadeira Religiaõ que nos possa sufficientemente informar no que consiste, ou deve consistir toda a nossa sabedoria, e instruir, e ensinar até donde ella em fim se deve encaminhar; porque Job instruido muito bem nesta escola, ensina que sómente a crença de Deos he que a communica apartando-nos do vicio. Timor Domini ipsa est sapientia, et recedere à malo intelligentia. David o confirma, chamando a esta crença, a porta, ou o principio de toda a sabedoria: initium sapientiae timor Domini. E seu filho Salomaõ nos representa em o seu Ecclesiastico homens velhos, coroados com huma siencia unida à crença de Deos; Corona senum multa peritia, gloria illorum timor Dei. Esta sem duvida deve ser a razaõ porque o Ecclesiastes profere livremente, que a verdadeira sabedoria nunca entra em hũa alma perversa, nem naquelles a quem tem subjugado o vicio: in malevolam animam non intrabit sapientia, nec habitabit in corpore subdito peccatis. E na verdade, he a sabedoria hum Dom do Ceo, com que gratifica, e premea aquelles a quem quer encher de felicidade, mas verdadeiramente poucos a recebem, como Salomaõ, dormindo; ou para melhor dizer foi o unico a quem se concedeo por este modo, porque vemos do mesmo lugar em que se acha escripto este milagre, que nem antes, nem depois delle se vio no mundo outro semelhante, antes, nec post eum similis non surrexit. E assim acabo, porque tambem já o papel esta no fim, aplicando para aquelles espiritos cheyos de vaidade, e prezumpçam que entendem se acham possuindo huma sabedoria incontrastavel, com o documento que o mesmo sabio Rey Salomam nos deixou escripto em seus proverbios, que nam basta conhecer a sabedoria, porque isto naõ he mais que saber simplesmente a sua primeira parte mas que devemos ao mesmo tempo fazer toda a deligencia para esta se possuir com todas as suas qualidades inseparaveis, sem desvanecimento, sem presumpçaõ: principium sapientiae posside sapientiam, in omni possessine tua acquire prudentiam.

O certo he que a prudencia he hum grande final diagnostico para se conhecer a sabedoria, pois estas duas couzas ordinariamente passam como synonymas, tanto no uzo commum de falar, como em muitos lugares da sagrada Escriptura; e assim devemos confessar que naõ he o mesmo ser rico, que sabio; antes o contrario produzem as riquezas como diz hum proverbio Latino:

Fortuna quem nimium fovet stultum facit.

E que sem a prudencia nem ha sabedoria, nem valem nada as riquezas; e para dezengano destos ricos presumptuozos, e ignorantes, porque lhe falta a prudencia, lhe offereço estes quatro versinhos, que bem expressam o caracter que merecem no mundo civil:

Sint tibi divite, sit larga, munda suppellex Esse tamen vel sic bestia magna potes. Nam quidquid fueris, nisi sit prudentia tecum, Magna quidem dico bestiam semper eris.

Lisboa:

Na Officina de Pedro Ferreira, Impressor da Augustissima Rainha Nossa Senhora.

N.°.3 Da Sabedoria. Huma das couzas que mais provoca ao rizo, e ao mesmo tempo inspira a reflexaõ, he ver, e observar certos genios, que inchados pela sua vaidade, e pela força da sua propria imaginaçaõ se querem sempre distinguir como sabios, e ser escutados como oraculos, porque se persuadem que cada palavra que proferem he huma sentença, e que cada discurso que fazem he huma quinta essencia do mais solido, e mais dilatado raciocinio. Algumas vezes que me encontro com hum destes espiritos, assim que aparece nunca o perco de vista, para examinar com attensam, atè donde chegam os effeitos da sua vaidosa prezumpçaõ e quasi sempre reparo em que comprimenta poucos, fala só com alguns, e quasi sobre posse, e immediatamente busca o melhor lugar, que de ordinario he entre as Damas, que como mais credulas lhe formam hum vistozo auditorio, e logo principia a espalhar entre aquella agradavel tropa de parciaes, hum numero infinito de Decizoens, repartindo como por favor o ouro das suas palavras. Hum destes genios bem pode ser rico, bem instruido; e cheyo daquellas prendas que adquiridas pelo estudo, e pelo exercicio fazem hum homem civil, mas de ordinario se acham nelle tam arruinados estes principios da boa educaçaõ pela vaidade que concebe da sua grande sabedoria, que parecem mortos em hum corpo vivo, ou que sòmente os contempla a imaginaçaõ como passados no immovel simulacro da vaidade, e he pena que entendo acompanha hum destes, naõ ter existido no tempo de Paganismo, porque cuido faria toda a boa deligencia para que construindo-se algum Templo, fosse a sua Estatua ainda que tenue, e breve, a quem se dedicassem os cultos excessivos, e agigantados. Isto que repetidas vezes observo, me faz lembrar dizer alguma couza sobre o argumento da sabedoria, para dezenganar o vulgo ignorante, mostrando que naõ ha no mundo quem inteiramente a pessua, e que he fatuidade reprehensivel haver quem imagine, e se desvaneça que tem este dom completo. Mas por donde darey principio a este asumpto da sabedoria? Se quero principiar pela consideraçaõ do seu nome, como ordinariamente fazem os Filosofos, acho que o toma (assim Divina como he) das couzas sensiveis, a materiaes. E S. Bernardo especificou que o gosto, e os sabores, saõ os primitivos authores da sua denominaçaõ. Se quero deixar este principio, e discorrer pelo da sua difiniçaõ, esta nos naõ pode instruir melhor, porque della ainda se naõ tem concordado qual he o verdadeiro Sabio que ella deve, ou pòde formar. A sabedoria, como diz o Orador Romano no primeiro livro das obrigaçoens da vida, he a ciencia naõ sómente das couzas Divinas, e humanas, mas tambem de todas as cauzas de que ellas dependem; sejame licito referir pelas suas proprias palavras a authoridade deste grande orador, porque pode ser que estes papeis vaõ parar por a cazo as maõs, de quem entende muito bem a lingoa em que elle fallou; Sapientia estrerum divinarum, humanarum, causarumque, quibus he (sic) res continentur scientia. E quem he o que póde ter esta perfeita luz, das couzas divinas, e humanas, com o conhecimento das cauzas que as produzem? E aonde se acharà hum espirito, que se possa com razaõ desvanecer de poder penetrar até donde he precizo chegar, para estabelecer sobre taes fundamentos esta pertendida ciencia? Certamente só possue huma conhecida vaidade, e presumpçaõ quem pertende mostrar que a chega a possuir. O Sabio dos Estoicos he disto huma prova manifesta, como descreve. Horacio: Si dives qui sapiens est, Et sutor bonus, solus formosus, e est Rex. He isto huma fantasma taõ medonha, e taõ grotesca, que a imaginaçaõ mais fina, e mais apurada a naõ pode deixar de conceber como huma extravagancia qualificada; porque naõ possue sómente as boas qualidades que acabo de referir nos sobreditos termos latinos, mas ainda seria mais perfeito que todos os Deozes que admittia a sua Religiaõ, exceptuando Jupiter, e tambem o excederia nisto, em que Jupiter tinha por sua propria natureza todas as ventagens com que se considerava, e elle as tinha adquirido por sua propria industria, sem ser inferior em couza alguma (excepto na immortalidade) a este Deos supremo do gentilismo, a quem tinhaõ obrigaçaõ de reconhecer. Mas naõ foraõ só os Estoicos, que cahiraõ neste prodigizio delirio, ainda que elles foraõ sim os que os levaraõ mais lonje, que todos os outros Filosofos Paganos, Porque Antistenes, fundador da feita cynica, sustenta como os outros em Diogones Laercio, que todos os bens que os mais homens possuem pertencem de direito ao que he sabio, Sapientis esse quae caeterorum sunt omnia. O outro Diogenes da mesma familia, e a quem a sua pipa fez tam celebre no mundo, quer que o seu sabio reconheça sómente as couzas dignas de serem amadas, alem de o fazer de tal forte impecavel, que segundo o seu conceito, ainda o mesmo sacrilegio se lhe naõ deve imputar como crime. Suposto que esta invectiva naõ deixa de entrar na classe das muitas irregulares que nos deixou escriptas, e concorda muito com a outra de Theodoro chamado o Atheo, que se acha escripta em Hesychio Illustrio, a qual por ser alguma couza indecente julgo naõ ser conveniente expola ao vulgo, e ao commum, em quem de ordinario falta o bom senso, ainda que a refere hum Author grave, e de boa nota, só direy em summa, que aquelle Filosofo entendia que a prohibiçaõ de muitas couzas dependia mais da oppiniaõ popular, do que da sua propria natureza, e para os que endendem latim refiro as suas proprias palavras: Sapiens furto, adulterio, sacrilegioque deditus erit, ex uso temporis, horum enim nihil natura turpe, si tollas popularem de his oppinoem, quae ad continendum in officio vulgus hominum recepta est. Os Mesmos Estoicos foraõ tambem favorecidos por Epicuro no atributo que davaõ ao seu sabio, de que naõ podia deixar de o ser, depois de ter huma vez adquirido a sabedoria; assim o refere o texto do que lhe escreveo a vida: Eum qui simel (sic) fuerit sapiens, in contrarium habitum transire non posse. Mas sem particulariar (sic) mais todas as qualidades de hum sabio fantastico, nada me parece mais absurdo, que a razaõ em que se fundaõ para sustentar que nisto naõ entra nada de Chimerico, e que o Mundo nunca esteve se hum sabio tal, como elles o reprezentaõ, porque o bem deste universo quis que a idea que tenhaõ se realizavasse em alguma de suas partes. Seneca assim o defendeo, como Estoico, em diversos lugares, e especialmente no setimo, e ultimo capitulo do livro da constancia do sabio, intitulado por alguns o segundo livro da tranquilidade da alma. Mas ainda que este grande Filosofo diga, que a condiçaõ da nossa humana naturezam, e o bem deste mundo requeiraõ que se ache sempre hum homem taõ Etereoclito como o sabio que elle pertende, posso contra elle argumentar por tudo o que se ve no mundo, e por tudo o que experimentamos, e comprehendemos da nossa fraca natureza, que ella nunca produzio, nem poderá produzir em tempo algum nada que iguale as perfeiçoens de que elle reveste este simulacro da virtude. Que couza ha no mundo mais tenue, e mais fraca que o homem por qualquer principio que se considere? He a nossa vida, segundo a reprezenta Democrito a Hypocrates, huma enfermidade continuada, e complicada a respeito das duas partes que cõstituem o nosso todo, por cauza da sua estreita, e intima uniaõ. E naõ se podendo duvidar de que isto assim he, de que Elementos se pode dizer se compoem aquelle sabio inalteravel, e que couza se pode conservar sempre firme sobre o cubo em q̃ se achar hũa vez colocada? Certamente descubro hum grande vacuo em todas as razões que pertendem estabelecer o contrario, este fosse necessario insistir mais contra ellas, ainda se pode achar muito mayor contradiçaõ. Mas ainda q̃ cuido naõ ha muita necessidade de insistir nisto para o convencimento da verdade, vamos adiantando mais o discurso ainda q̃ naõ seja se naõ para encher a folha, e acabe adonde acabar. Os mesmos Estoicos difiniraõ em infinitos lugares, o seu sabio por hum homem de todas as horas. Estabeleceraõ muitas vezes por axioma constante, que naõ havia quem fosse prudente, e avizado em todas occasioens: nemo omnibus horis sapit, como disse, Plinio. Assim sem dificuldade resulta que aquelle homem de todas as horas se naõ póde realizar como pertendem, e que naõ póde ser concebido se naõ como huma fantasma da imaginaçaõ, ou como huma cruz rozada de que quiz abuzar a credalidade dos mais simples. E na verdade naõ ha mais que a verdadeira Religiaõ que nos possa sufficientemente informar no que consiste, ou deve consistir toda a nossa sabedoria, e instruir, e ensinar até donde ella em fim se deve encaminhar; porque Job instruido muito bem nesta escola, ensina que sómente a crença de Deos he que a communica apartando-nos do vicio. Timor Domini ipsa est sapientia, et recedere à malo intelligentia. David o confirma, chamando a esta crença, a porta, ou o principio de toda a sabedoria: initium sapientiae timor Domini. E seu filho Salomaõ nos representa em o seu Ecclesiastico homens velhos, coroados com huma siencia unida à crença de Deos; Corona senum multa peritia, gloria illorum timor Dei. Esta sem duvida deve ser a razaõ porque o Ecclesiastes profere livremente, que a verdadeira sabedoria nunca entra em hũa alma perversa, nem naquelles a quem tem subjugado o vicio: in malevolam animam non intrabit sapientia, nec habitabit in corpore subdito peccatis. E na verdade, he a sabedoria hum Dom do Ceo, com que gratifica, e premea aquelles a quem quer encher de felicidade, mas verdadeiramente poucos a recebem, como Salomaõ, dormindo; ou para melhor dizer foi o unico a quem se concedeo por este modo, porque vemos do mesmo lugar em que se acha escripto este milagre, que nem antes, nem depois delle se vio no mundo outro semelhante, antes, nec post eum similis non surrexit. E assim acabo, porque tambem já o papel esta no fim, aplicando para aquelles espiritos cheyos de vaidade, e prezumpçam que entendem se acham possuindo huma sabedoria incontrastavel, com o documento que o mesmo sabio Rey Salomam nos deixou escripto em seus proverbios, que nam basta conhecer a sabedoria, porque isto naõ he mais que saber simplesmente a sua primeira parte mas que devemos ao mesmo tempo fazer toda a deligencia para esta se possuir com todas as suas qualidades inseparaveis, sem desvanecimento, sem presumpçaõ: principium sapientiae posside sapientiam, in omni possessine tua acquire prudentiam. O certo he que a prudencia he hum grande final diagnostico para se conhecer a sabedoria, pois estas duas couzas ordinariamente passam como synonymas, tanto no uzo commum de falar, como em muitos lugares da sagrada Escriptura; e assim devemos confessar que naõ he o mesmo ser rico, que sabio; antes o contrario produzem as riquezas como diz hum proverbio Latino: Fortuna quem nimium fovet stultum facit. E que sem a prudencia nem ha sabedoria, nem valem nada as riquezas; e para dezengano destos ricos presumptuozos, e ignorantes, porque lhe falta a prudencia, lhe offereço estes quatro versinhos, que bem expressam o caracter que merecem no mundo civil: Sint tibi divite, sit larga, munda suppellex Esse tamen vel sic bestia magna potes. Nam quidquid fueris, nisi sit prudentia tecum, Magna quidem dico bestiam semper eris. Lisboa: Na Officina de Pedro Ferreira, Impressor da Augustissima Rainha Nossa Senhora.