José Leite de Vasconcelos an Hugo Schuchardt (80-6350)

von José Leite de Vasconcelos

an Hugo Schuchardt

Lissabon

19. 11. 1905

language Portugiesisch

Schlagwörter: Etymologie Mythologie Revista Lusitana: Archivo de Estudos Philologicos e Ethnologicos relativos a Portugal Pantun Revista Archeologica de A. C. Borges de Figueiredolanguage Baskischlanguage Iberischlanguage Keltische Sprachenlanguage Portugiesischbasierte Kreolsprache (Java)language Malaiisch Vinson, Julien Hübner, Ernst Wilhelm Emil Giacomino, Claudio Coelho, Francisco Adolfo Schuchardt, Hugo (1905) Leite de Vasconcellos, José (1897–1913) Leite de Vasconcellos, José (1901)

Zitiervorschlag: José Leite de Vasconcelos an Hugo Schuchardt (80-6350). Lissabon, 19. 11. 1905. Hrsg. von Ivo Castro und Enrique Rodrigues-Moura (2016). In: Bernhard Hurch (Hrsg.): Hugo Schuchardt Archiv. Online unter https://gams.uni-graz.at/o:hsa.letter.4195, abgerufen am 02. 10. 2023. Handle: hdl.handle.net/11471/518.10.1.4195.


|1|

Lisboa 19.XI.905

Prezado amigo:

Vejo que V. Exa. se abespinhou por suppor1 que eu lhe contrapunha Vinson. Ora eu contrapus V[inson] a Hübner e a Giacomini! Faço alguma idea da orientação de V[inson] e até o conheço pessoalmente; supponho que elle deve saber praticamente muito mais Vasconço do que Giacomini, cujos artigos que li me não agradaram. O que elle diz sobre Brigo é mais que fantastico. Entendo que não póde comparar-se pura e simplesmente o vasconço moderno com o ibero antigo;2 é necessaria muita precaução. V. Exa. sabe isto melhor do que eu. Nunca me dediquei ao estudo do vasconço, nem posso dedicar; mas pelo que tenho lido, e pelo conhecimento geral que possuo da Glottologia, estou pouco inclinado a crer que haja elementos vasconços em Portugal. Provavelmente o vasconço foi sempre lingoa local, embora com maior ou menor área geographica. Aqui tem V. Exa. a razão pela qual não deve admirar-se de, como diz, não encontrar tratado no meu livro o problema iberico-vasconço.

Quanto a Endovellicus, eu já tinha lido o que V. Exa. diz na Zs. XXIX, 226.3 Não quebro lanças pela celticidade de Endovellicus, nem por várias |2| outras celticidades,4 porque, neste terreno escorregadio das etymologias difficeis, podem, com o conhecimento de diversas lingoas5 e boa vontade, defender-se as mais encontradas hypotheses;6 mas creio que, para explicar esse nome, não basta compará-lo com Indibilis e Andobales, porque ha muitas palavras que começam por Ind- e And- que nada tem commum entre si. Se a fórma epigraphica Andergus, com g, é exacta, parece-me difficil ou impossivel explicá-la por *indar-ko. Já Adolfo Coelho, na Rev. Archeol. (cfr. Rev. Lusit., II, 90), tentou tambem explicar essa fórma por outra em -co. A favor da celticidade de Endovellicus depõe: 1) a morphologia, que póde bem justificar-se, como fiz, pelo celtico (* ande-vell-ico-s); 2) o territorio em que o culto se celebrava, no qual havia Celtas; 3) a concorrencia de alguns nomes7 de dedicantes, em que ha elementos tambem explicaveis pelo celtico.

Opto mais pelo germanismo do que pelo iberismo de Enderkina e Inderquina. Este nome apparece, nos respectivos documentos, entre outros nomes germanicos:

Enderquina: filia dux Menendus Guterizi8 et Ermesinda iermana de domna Geluira regina que fuit mulier de Ordonius rex mater *Romenisus principe.

PMH, Dipl. et Ch. nº 12.

Inderquina, de viro meo Suarius Sendini filius.

                                   Ib. ib., nº 84

Se Enderquina, Inderquina, era filha de Germanos e casada com um individuo de sangue germanico, difficilmente teria nome ibe- |3| rico. Não julgo invencivel a objecção, mas é muitissimo ponderavel. A isto accresce a difficuldade phonetica, pois Indercus teria dado *Indercina, com c (como deu Indercillus), e não Inderkina ou Inderquina, onde o caracter guttural (k, qu) está bem assignalado.

Já tenho varias notas para lhe mandar sobre o pião. Em podendo coordená-las, lh’as mandarei.

Não poderia V. Ex. enviar-me cópia completa, e bem legivel,9 do seu ms.10 do sec. XVII de Pantuns em malaio e crioulo-português de Batavia11? Eu prometto a V. Exa. que o não publicarei12 (pois que a prioridade pertence a V. Exa.); mas desejava muito possui-lo na minha collecção de textos crioulos. Melhor seria uma photographia total do ms., e em tamanho natural;13 eu pagaria toda a despesa.14

Aguardo com impaciencia o seu promettido trabalho sobre o vasconço.15

|4| Sou, com toda a estima,

De V. Exa.
amigo muito attento
venerador e obrigado
Leite de Vasconcellos


1 Rascunho: por eu ter contraposto [↑suppor].

2 Rascunho: com o ibero antigo, nem com nenhuma outra lingua.

3 (Schuchardt 1905: 226-227). Leite responde tanto à carta anterior de Schuchardt, como a cada um dos argumentos do art. citado, em todos os pontos se distanciando das opiniões aí formuladas. Cf. ainda, sobre Endovélico, Religiões, II, 111-145, especialmente esta última pág.

4 Rascunho: muitas [↑várias] outras celticidades.

5 Rascunho: de muitas [↑algumas][↓diversas] lingoas.

6 Rascunho: todas [↑muitas ↑as mais encontradas] hypotheses.

7 Rascunho: dos nomes dos de alguns nomes.

8 Rascunho: Guietirisi.

9 completa, e bem legivel: subl. a lápis azul.

10 Rascunho: Não poderia facultar-me uma copia [V. Exa. enviar-me copia † [↑completa e bem legivel] do seu ms.

11 Com este pedido de cópia de um ms., inicia-se novo desentendimento entre os dois correspondentes, que chega a ameaçar a continuação da sua amizade e necessita mais uma vez da intermediação de D. Carolina. Em causa estava um cancioneiro crioulo que Leite vira em casa de Schuchardt (cf. nota 95) e que descreve na Esquisse nos seguintes termos: «M. Schuchardt a découvert des documents de l’ancien portugais de Batavia, dont trois remontent au XVIIe. siècle, les autres au XVIIIe: ce sont un vocabulaire, un dialogue, un recueil de poésies et des phrases isolées. Les poésies (XVIIe siècle) sont encore inédites; il me les a montrées chez lui, à Graz, en 1900» (Esquisse, 1901; 2.ª ed. Lisboa, 1970, 149). Esta recolha de poesias formava «un très intéressant ms. du XVIIe. siècle, contenant une collection de Pantuns («chansons») en malais et portugais-créole de Batavia, que j’ai vu chez lui» (Esquisse, 50).

12 Rascunho: Eu o asseguro de [↑prometto a V. Exa.] que o não publicarei.

13 photographia total do ms., e em tamanho natural: subl. a lápis azul.

14 eu pagaria toda a despesa: duplo sublinhado a lápis vermelho. Além disso, todo este parágrafo está assinalado na margem direita pela mesma cor.

15 Rascunho: trabalho de introd. ao vasconço.

Faksimiles: Universitätsbibliothek Graz Abteilung für Sondersammlungen, Creative commons CC BY-NC https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/ (Sig. 6350)