António Joaquim Ribeiro an Hugo Schuchardt (03-09523)

von António Joaquim Ribeiro

an Hugo Schuchardt

Praia

15. 07. 1882

language Portugiesisch

Schlagwörter: Photographie (Technik) Publikationsversand Batuque Orthographie Phonetik Associação dos Escritores e Jornalistas Portugueseslanguage Portugiesischbasierte Kreolsprache (Kapverdische Inseln)

Zitiervorschlag: António Joaquim Ribeiro an Hugo Schuchardt (03-09523). Praia, 15. 07. 1882. Hrsg. von Nélia Alexandre und Jürgen Lang (2016). In: Bernhard Hurch (Hrsg.): Hugo Schuchardt Archiv. Online unter https://gams.uni-graz.at/o:hsa.letter.4061, abgerufen am 28. 03. 2024. Handle: hdl.handle.net/11471/518.10.1.4061.


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Cidade da Praia, 15 julho 1882

Meu caro am.o e sr. Schuchardt

De 19 d'Abril e 28 de maio, tenho duaz cartas do meu amigo, a que devo resposta; peço desculpa de não ter respondido á mais tempo, devido aos meus afazerez, que me hão retido no interior da ilha, d'onde regressei hontem.

Recebi e agradeço o lindo romance francez que se dignou offertar-me, bem como as pittorescaz photographiaz de dois bem apraziveis sitioz da sua patria. Infelizmente não posso retribuir-lhe em igual especie, por que não ha tiradaz photographiaz d'alguns sitioz que por aqui ha dignos de ver-se; mas logo que venha o Baumont, photographo, da Guiné, onde foi tirar vistaz) se se demorar aqui e tirar algumaz, enviar-lh'as-hei, com alguns especimens de costumes, se elle os tirar.

Tomo a liberdade de enviar-lhe um exemplar da Senegambia Portugueza, escripta por um amigo meu, oxalá possa ella approveitar-lhe alguma couza nos seus estudoz.

Remetto outro ao meu particular amigo Doëlter de quem não tenho noticiaz á muito; oxalá não seja por falta de saude.

Um amigo a quem encarreguei de escrever-me a musisca do batuque, não poude ainda fazel-o, motivo por |2| que a não mando; maz creia que me não esqueço.

Tenciono escrever uns artigos ácerca de Cabo Verde, e com especialidade, d'esta ilha de S. Thiago, para refutar algumaz accusações falsaz que lhe fazem de doentia e mortifera, etc. e talvez que então o incommode pedindo-lhe para as traduzir e dálros [sic] á publicidade tambem aí, afim de vulgarisar o assumpto; é uma especie de chorographia que desejo e projecto escrever, em artigos separadoz.

Como já lhe havia dito, não temos nenhuma regra para nos guiar no creoulo, e por isso adoptei o systhema sónico, unico a seguir por emquanto, visto não haver grammatica, nem couza que o valha, poes me parece até que fui o 1.o que passei este dialecto ao papel; fazendo-o usei dos accentos agúdo e circunflexo, para dar o som aberto com o 1.o e o som fechado com o 2.o, ás vogaes em que carregam; assim por exemplo o agudo é para mostrar que a vogal tem o som aberto como na 1.a syllaba da palavra portugueza árma, e na franceza gàre; e o circumflexo, para tornal-a muda, como na palavra portugueza vêr, e na ultima sylaba da franceza habitent. Por aqui vê que: - xíntâ, fúrtâ, e 'n bába, tem o som aberto na 1.a e fechado |3| na 2.a syllaba. Xintâ é - assentar; furta é – roubar; 'n baba, é - eu fui; 'n ta serba, não tem assento em nenhuma daz syllabaz; - quere-me parecer que n'este caso, aonde eu tinha escripto en ou un ta sêrba, se deve antes escrever como agora fiz 'n ta serba, visto que o en, é todo nazal, e se pronuncia com a boca fechada.

A traducção de - menino, é míníno.

Effectivamente o som que dão ao jh não se encontra no portuguez; jh ou djh, é particular aos pretos, maz assimilha-se ao inglez na palavra Jhon. O jh é como que atirado pela boca fóra.

Flan ou Flam, é uma e a mesma couza, maz eu opto mais por Flan, e se escrevi d'outra fórma,

foi por lapso.

Fita, Banda, Penha, Moral e Major, são a traducção dos nomez proprios - Antonio, Domingoz,

Gregorio, Pedro e Joanna.

Os pretos dizem indistintamente e : mas usam mais o no tratamento intimo de tu; ex: ma nho pássâ? como passa: - mó bo pássâ?, como pássas. - O nho é senhor; o - é tu.

Em en ou un, como já disse, melhor será escrever 'n, vis- |4| to a pronuncia á bocca fechada.

Entre tenba e teneba, ha alguma differença 'n tenba, é o preterito perfeito = eu tive; 'nteneba, é o preterito imperfeito = eu tinha.

Deus é - nhór Dés.

Praia, tem a mesma pronuncia que em portuguez.

Canba, é entrar; - cambiar, (accão commercial) não tem traducção, á permutação de generos, chamam elles trôca

Lôro - novello; tambem chamam lôro ao tabaco do paiz, emrolado em fórma de corda, que elles torram para fazer tabaco de cheirar

Lóris - Lóro do estribo

Chabeta - Pancadas dadas a compasso com as mãos abertas sobre as côxas, para acompanhar a violla e o canto nos batuques. Chaveta (porcioneira) é termo desconhecido no idioma creoulo.

com , tem ligação por que = 'n ta bai, é eu vou; 'n sâ tâ bai é - eu vou já; e alantabai,

já la vou

Ni nóba, ou nobidade câ ten de frésco, quer dizer: = não ha novidade.

Zabóla pâ tenpra - Cebola

'n ca ta buli nem pâ mécinha, é o maior dos protestos que |5| pódem fazer, para não mecher n'um objecto; equivale ao termo portuguez: - nêm pela salvação.

Jha qui jhan sta li, al ser só 'n ba 'n ba jhobe = já que aqui estou, é necessario que vá ver.

Ben bá ês ca ta 'ntende criolo? - Dar-se-ha caso que não entendam creoulo?

Mijhor mé é quel quin ta fasse  = É o melhor que tenho a fazer.

Qui 'sta só ta disdangú alguen = Que está (ou estão) só a desdenhar (desprezar) uma pessoa.

Câ nho dajhe na mi = não me bata (é dajhe)

Moças fajhado tó qui nhór Dés fla, jha bun = a traducção litteral é = raparigas boas até Deus dizer  já basta. (1)

C'ó quim ten li - quando voltar = ten li, é abreviatura uzada na conversa de ta ben li, assim como c'ó é abreviatura de quel órra [sic], e t'ó de ti orra = quel órra, é - quando; - ti orra - é - ate quando.

A traducção dos 2 ultimos versos, litteral é:

=

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(1) Como lhe havia dito, aproximei-me o mais que poude da traducção litteral; mas era impossivel fazel-a á risca, porque então ficaria um embroglio que talvez entendem menos

que o proprio creoulo. |6|

Nhos fassê quin passa sabi || Façam que eu passe bem

Pan ten modi torna bulí(1)   || Para poder cá voltar.

(1) Bulí, que é mecher, é tambem empregado no sentido de voltar, e outros; por exemplo:

quando vão a uma loja negociar, pedem convite (gratificação) e dizem: si nhô crê p'ó quin tem Praia, pan bem ta dâ pancada co nhô pa no bulí cussa, - se quiser que quando eu volte á Praia, venha negociar com sigo. -  Aqui, pan ben da pancada co nho, pa no bem buli cussa, quer dizer = venha negociar com sigo - Buli cussa, simplesmente, é termo obceno. Buli águ na labada, é é [sic] ir procurar e trazer agua naz lavadaz de irrigação; maz quando se diz: - Fulano é – bulidor d'águ, tambem significa = grande conquistador.

Vou ver se consigo arranjar-lhe algumas cantigaz (coplas) das mais triviaes nos batuques, e para isso pedí já a alguns amigos para me arranjarem o que poderem; do que me vier verei se alguma couza é capaz para enviar-lhe; mas desconfío que não, porque esta gente quasi sempre

canta d'improviso, e tão disparatadaz cantigaz que nada se póde colligir d'alli, a meu ver. Com 21 annos de Cabo- |7| verde, tenho assistido a 2 batuques; já vê o divertimento que elles offerecem; a não ser o da novidade, (para ser visto uma vez,) o mais é uma inferneira que nos tortura os ouvidos com gritos e palmadas, chamadas chabeta, tendo por corolario um obseno rôlar de cadeiraz de uma mulher no meio do circulo formado pelas batuqueiras, com geral applauzo dos circumstantes. - Quanto mais se rola, mais applaudida é - A este rolar ou rebolar, chamam elles pô na torno; e ao tomar posição no meio do circulo, subi térrêro.

O ch sôa sempre como tch.

Vão uns adagios que me lembram de prompto; depois mandarei maiz alguns.

Tenho combinado com um amigo meu, escrever-mos uma grammatica creoula; se o conseguir-mos, o que não será muito fácil, por que os nossos afazerez poucos momentos nos deixam para trabalho tão momentozo, e arduo, darei parte ao amigo, enviando-lhe alguns trechos, para lhe servirem, caso vão a tempo.

Para o mez seguinte, talvez lhe mande alguns verbos em creoulo

Quanto ao guia portuguez-creoulo, é difficil emquanto não houver uma grammatica.

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A "Associação dos jornalistaz e escriptores portuguezes" (segundo participação particular d'um amigo meu de Lisbôa) acaba de honrar-me com o titulo de socio Correspondente.

Não tenha pejo em pedir qualquer explicação sobre qualquer couza que lhe seja obscura, pois no que poder servil-o, terei muito gosto em fazel-o. Lamento que os meus poucos conhecimentos me impessam de cumprir como desejo as suaz ordens; mas a boa vontade supprirá a lacuna que deixa esta falta.

Se não estivessemos tão distantez, pedia-lhe me mandasse as provas para rever a parte creoula, antes de serem publicadaz; maz como estamos distantez e necessariamente o amigo escreve em Alemão e não em Francez, nada poderia fazer-lhe.

Rogo-lhe me recommende ao meu bom amigo Doelter, e lhe dê um abraço meu; recebendo o amigo antes para si, do

Seu

Amigo m.to dedicado

Antonio Joaq.m Ribeiro

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