Joaquim Vieira Botelho da Costa an Hugo Schuchardt (04-02223)
von Joaquim Vieira Botelho da Costa
an Hugo Schuchardt
17. 10. 1884
Portugiesisch
Schlagwörter: Sprachprobe Postverlust Orthographie Sprachvergleich Portugiesischbasierte Kreolsprache (Guinea Bissau) Duarte, Custódio José
Zitiervorschlag: Joaquim Vieira Botelho da Costa an Hugo Schuchardt (04-02223). São Vicente, 17. 10. 1884. Hrsg. von Silvio Moreira de Sousa (2015). In: Bernhard Hurch (Hrsg.): Hugo Schuchardt Archiv. Online unter https://gams.uni-graz.at/o:hsa.letter.2826, abgerufen am 04. 10. 2023. Handle: hdl.handle.net/11471/518.10.1.2826.
Ex.mo Snr.
Na sua ultima carta mostrava-se VEx.a desejoso de obter algum specimen de creôlo da nossa Guiné, visto ter-se extraviado um trabalho que d’ali lhe fôra mandado pelo Snr. Marcelino de Barros.
Buscando ser-mos-lhe agradaveis, pedimos para Bolama uma versão creôla da parabola do Filho Prodigo; e foi com verdadeiro prazer, que, em vez do que pediramos recebemos do Snr Conego Barros uma copia do trabalho perdido, na qual elle diz ter sido mandado a V.Ex.a em 22 de Janeiro do corrente.
Ahi vae pois a referida copia e assim nos parece ficarão inteiramente saptisfeitos os desejos de V.Ex.a e o nosso empenho em os |2| saptisfazer.
Juntamos tambem um exemplar d’uma publicação feita em Bolama, onde V.Ex.a encontrará em creôlo de Guiné, a imitação d’uma fabula de La Fontaine.
Como V.Ex.a verá ha grande afinidade entre os dialectos da Guiné e d’esta provincia e se o primeiro nos papeis que lhe mandamos parece á vista muito diverso do segundo, é em consequencia da orthografia que o Snr Barros adoptou.
Tambem inclusa encontrará V.Ex.a uma errata importante que se encontra nos estudos creôlos que tivemos a honra de lhe offerecer, esperando se |3| servirá retificá-la.1
E ficamos sempre
De V.Ex.a
Att.os V.ores obr.os
S. Vicente, 17 de Out.o de 1884
Joaq[uim] Vieira Botelho da Costa
Custodio Duarte
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Storia (1)
d’mnino kbá-botâ sê-ardança ê-tornâ-ribâ-cássa dê-sê-pápé
(D. Em 22 de janeiro de 1884 com 32 paraphrases e m.tas notas ao S.r D.r Hugo Schuchardt, a seu pedido)- (2)
Libre1 falâ, comâ um-óme temba sê-dôss-fijjo:
O Livro disse que um homem tinha seus dois filhos[:]
kêl-máss-pôco pidí-sê-pápé pa-ê-dal-kinhom
o mais novo pedio a seu pae que lhe desse o quinhão
dê-sêardança ktakebênel cossî-mórto,
de sua herança em q[ue] elle caberia com a sua morte[,]
comâ ê-tem-mestêda pa-fassê côdseu.2
porque tinha necessidade para satisfazer com o seu[.]
Sê-pápé rapaertih-sê-kinhom ê-longal.
O seu pae repartio o seu quinhão (e) entregou-lhe[.]
Fijjo-dijjente3 tomâ-kel-máanga de-dinhéro ê-bá-perdê-kel5
O filho famillia tomou aquella grande quant.de de dinh.o e foi perder-se com elle
pa-um-parte-d’mundo, alákê-aschâ-cabo
á uma parte do mundo[,] ahi é que elle achou logar
dê-dana-danal cô-perdiçons cô-fastos.
de estragar com desperdicios e grandezas.
Nim-ê-catandâ-mé pobréssa-caîl, ê-bidâ nium-pom6-dê-Déss
pois nem durou (m.to) sobrevir-lhe a pobreza e voltou (a tal miséria) q[ue] nem um pão de Deus
ê-catâ-aschâ pa-póe-na-bóca,
achava para por na bocca:
nim-um-ratajjo pa-cubrih-sê-disnû.
nem um retalho para cubrir a sua nudez.
Assin-kêstá-tée8... ê-ojjâ-d’mal-hmpiór ê-bá-hmtergâ-cabĕçâ
Assim se conservou até que vio de mal em pior foi entregar-se
na-mom dum-óme-runho ktojjêl-regra10
nas mãos de um homem ruim q[ue] lhe negou a ração (e)
ê-cunsâ-pôl bakeâ sê-córal-d’pŏrco:
pol-o ainda em cima a passentar a sua vara de porcos
própe-résto-d’fórél dê-kel-limarias ê-tôjjel-tam.
até mesmo de farellos d’aquelles alimarias negou-lhos tambem |6|
kel-óra fóme-na-castigalba simă-ké!...
e contudo a fome castigava-o sobremaneira!
Um dia ê-camguentâ: ê-bolteâ-tráss d’cássa
Um dia não pôde conter-se foi para tras da casa,
ê-sintâ êmpinâ-cabĕça-na-schon: alá-kêcudâ!... ê-cudâ!...
assentou-se e deixou pender a cabeça para o chão: ahi é que se poz a pensar...
ê-cudâ-tée.. êrrebentâ-côschôr. Sintidu balba13 lonjje!...
a pensar... até q[ue] prorrompeo em lagrimas[.] A imaginação voára-lhe p.ª longe.
Cô-kêl-frákéssa êstal-sima-kêna-ojjâ-cláro cássa-d’sêpápé
Com aquella fraquesa (de cabeça) parecia-lhe q[ue] via a casa de seu pae
cô-sêmanga-d’criádos tudo-farto, roncante, sábe-d’-sê-bidas:
com a sua multidão de criados todos fartos[,] bem vestidos, contentes com a sua sorte.
ê-labantâ-kêl-óra, ê-mondô-caminho-d’-cássa
levantou-se immediatam.te (e) tomou caminho da casa
côssintido-d’bá-pidih-pordóm sê-pápé.
com o proposito de ir pedir perdão a seu pae.
Nim êcapertobâ-inda-cô-cássa contrâ-sê-pápé jju-mnâ-ojjal
Não estava perto ainda de casa quando o seu pae o vio primeiro e
êjjantih-pabádal-contráda:
apressou-se a ir encontrar-se com elle,
êcaba-schigâ êbarsal, êschérál17, ê-mimál, ê-barsál-êtornâ-barsâl...
apenas chegou abraçou-o, cheirou-o[,] animou-o, abraçou-o e tornou a abraçal-o[...]
Fijjo căe cô-jjôjjo-na-schon ê-falál-cô-bóss-fógádo:
O filho (então) caio com os joelhos em terra e disse-lhe com voz suffocada:
Papé! hmiarâ-Deus hmiarábo!! ca-pápé-tenem-máss na-conta-d’-fijjo!
Pae! errei a Deus e errei a meu pae! não me tenha nunca mais na conta de seu filho,
hmpidîbo-té-diante-d’Deus bo-pordam-nha-castigo20!...
e peço-lhe até em presença de Deus queira perdoar-me o meu castigo[.]
Sê-papé-sétâ hmca-mestê-passâ-d’um-triste-familia21 d’bô-cássa.
Se o pae o consentir não desejo |5| ser mais do que um triste serviçal da sua casa[.]
Nim ê-ca-cudil-mé: ê-mandâ-bistil bom-rópas,
(O pae) nem lhe respondeo: mandou vestil-o com boas roupas[,]
ê-pôl-nél-na-dedo ê-longal-sápáto: ê-cumsâ-mandâ-matâ bom-bserinho-gordo,
poz-lhe annel no dedo deo-lhe calçado e ainda por cima mandou matar um bom tourozinho gordo[,]
ê-armâ-méssa ê-fassê santamaria-d’-fundsom k’-tud’mundo-contente.
armou a mesa e fez uma famosa funcção com que toda a gente ficou contente.
Nim é-calabantába-inda-d’-méssa contrâ-sê-fijjo-máss-béjjo
Nem se tinham alevantado ainda da mesa (quando) o seu filho mais velho
schigâ, ê-pulguntâ, ké-ktem. É-contal, comâ-sê-érmon-kmorê ê-tornâ- lántâ:
chegou (e) perguntou o que havia. Disseram-lhe que o seu irmão morrera (e) tornou a ressuscitar,
comã-él-ktem-fundsom. Êpanhâ-rraiba-hmbêss26, ê-bidâ-tá-jjuddiâ-nam!...
que por sua causa é q[ue] se fazia a festa. Para logo se enraiveceu e começou a ralhar muito[.]
nim-ê-ca-tornã-hm-portâ-cô-sê-pápé krriá-d’-sobráde pa-bêm-papeâ-kél:
nem se importou com o seu pae que desceu do soberado para lhe vir fallar (porq[ue])
som-palábras-dêdessafôro kê-na-rramangal-narrôsto.
só palavras de desaforo é que lhe arremessava em rosto atirar à cara[.]
“Pápé-lembrâ-bem: (bó-obîh-nubdáde!) nim-ê-cá-aóss k’hmnabadsê-parbô;
O pae lembre-se bem: (oiçam um caso extranho!) não é de hoje que vos sirvo obedeço
ampôss nim-um-dia-d’-Déss pápé-ca-ferscham-cô-um-cábra pam-brincâ
pois em dia nenhum (fadado) por Deus o pae não me atirou dar com desdem com uma cabra p.ª eu brincar |7|
cô-nha-manjjŏass; agara, kel-dôdo kbá-botá-se-ardança cô- minjjéres,
com os meus companheiros, agora, aquelle doido que foi desperdiçar a sua herança com mulheres,
cô-bebdissas, cô-montondádes cabâ-schiga-nam..
com bebedeiras (e) com tolices apenas chegou
papé-mandá-dogolâ-bserinho-más-gardo d’nó-córál... som-pa-ê-nhókê”.
o pae mandou degolar o vitello mais gordo do nosso curral para se encher.
Sê-pápé-falál: “Fijjo!... ê-ké?!... Abó-o tud’óra hmna-ojjábo; kêl-kêêdmî êdbô:
O seu pae respondeo-lhe[:] Filho! que singularidade é essa? A todo o instante te estou vendo, o que é meu é teo:
antôm bô-ermonsinho perdê-cô-nóss-dissnâ...
ora! o teo irmãosinho perdeo-se-nos desde ha m.to
Nhór-Déss tornâ-smoláno-él; cômâ?!
O S.r Deus tornou a esmolarnol-o: como é isso?
lógo ê-cadrêto nó-bájjo-d’contentamente?”
pois não é justo o nosso baile de contentamento?
Bolama 26 de Setembro 1884
(1) Pareceu-me que para maior naturalidade d’estilo e de locução e fiel representação dos usos e costumes do paiz cujo dialecto se pretende estudar, devia transportar todo o scenario para a Guiné e escrever a parabola em creoulo e traduzil-a depois em portuguez embora tenha de a ellucidar com paraphrases[.]
(2) Não me consta que o illustre professor da Universidade de Graze tivesse recebido este escripto.
Signaes
sch - em logar de tch
jj - que prefiro ao dj
hm - gemido nasal, que póde ser malmte substituido por im ou êm
__ quer dizer sic
---- sign. a melhor traducção
1 Libre por excellencia, a imitaçáo dos mahometanos q[ue] digam Coran[.]
2 Seu, tambem faz sal em Cacheu[.]
3 fijjo d’jjente, para differençar de fijjo d’limaria[.]
5 Kêl, pois cô êl[.]
6 pom, pons; em Cacheu faz pomes[.]
8 tée, de tórrke, de tróque caboverdiano (até ora que...?) [.]
10 regra, tambem faz regda em Cacheu[.]
13 balba, por baba-lê tinha-lhe ido[.]
17 schéral, não beijam, porq[ue] ainda fazem como os animaes cheirando tão-somente os filhinhos. Os civilisados já sabem dá-bêss dar o beiço, beijar[.]
20 castigo, por culpa que tambem ha no dialecto, porem noutro sentido[.]
21 famillia: entre os membros de uma famillia solidariamente constituida não ha differença entre criados, filhos, ou escravos, porque todos são irmãos, filhos ou parentes excepto entre os fulas q[ue] são os mais civilisados...
26 hmbéss, do dialecto de Cabo Verde já m.to usado: hmbés, um vez, isto é: uma vez, de uma vez, de uma só vez[.]
____
ca, não, da lingua mandinga ca-na-tá, não te vás; da lingua bundo; da lingua bantu[.]
ê-bidâ, êlongal, elle tornou, elle entregou-lhe: a coplativa e condensa-se sempre com o pronome ê[.]
al[,] el[,] il etc sempre tónicas nas terminações[.]
cabĕca, o be é átono: é como se dicesse cábsa[.]
____
Nota
Palavras ligadas pronunciam-se brandamente como se fossem uma só[.]
|7|
Nachbildung einer Fabel von Lafontaine.2
Lobo cô-garça.
Narrador: Er-ier...
Ouvintes: Érabâ-certo!
Narr.: Lobo ta-comê dessalmado!
Ouvintes: Bardade!!
Narr.: Falado, comâ lobo co sê-okéssa comê um dia tork-oss trabessal na gargante.
Ouv.: Bom fêto!
Narr.: Pó preto staba tarpalhado: nim par-pupã - Par si sorte, garça sába ta-passâ; mofino fassel sinal, garça bem: surjou-grande! kel-ora, ê-cabâ sinal-óss d’gargante ê-pidi sê-pago.
Ouv.: Cô-rossom -
Mas ti-lobo jobéel... ê-bidâ ê falal: abóo... bo stá na mangaçom: comâ-ké? bô pago!!... Logo bô-ca-contente inda êmdessábo bussô bô-gargante dentro na nha-gherla? - Assó bái! bô-mal concido. Pamá sintido cam-tornâ panhabo, park-ê-ca-dreto.
Adolpho da Silva.
Marcellino de Barros.
|8| Erratas3
Nos adverbios de modo - Onde se lê - Tumâgô - deve ler-se trômógó. Isto tanto na designação do adverbio como no exemplo respectivo.
__
Na versão da parabola do filho prodigo - Creôlo da Boa Vista § 4.º = Onde se lê - el’squecê o qu’el tinha el fête etc. - deve ler-se - el’squecê tudo qu’el tinha fête etc.
1 Diese Errata wurden auf die von Costa und Duarte an Schuchardt gesandten Kladde (Werkmanuskript 11.23.10.3) geklebt.
2 Diese Notiz stammt von Schuchardt. Die Fabel selbst wurde von Marques de Barros aufgeschrieben.
3 Die Adenda sind auf die letzte Seite der Kladde (Werkmanuskript 11.23.10.1) geklebt worden.