Aniceto dos Reis Gonçalves Viana an Hugo Schuchardt (03-03877)
von Aniceto dos Reis Gonçalves Viana
an Hugo Schuchardt
12. 09. 1888
Portugiesisch
Schlagwörter: Publikationsversand Methodologie Syntax Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa Revista Lusitana: Archivo de Estudos Philologicos e Ethnologicos relativos a Portugal Revista de Educação e Ensino Portugiesischbasierte Kreolsprache (Kapverdische Inseln) Portugiesisch Schuchardt, Hugo (1888)
Zitiervorschlag: Aniceto dos Reis Gonçalves Viana an Hugo Schuchardt (03-03877). Lissabon, 12. 09. 1888. Hrsg. von Silvio Moreira de Sousa (2014). In: Bernhard Hurch (Hrsg.): Hugo Schuchardt Archiv. Online unter https://gams.uni-graz.at/o:hsa.letter.1550, abgerufen am 15. 09. 2024. Handle: hdl.handle.net/11471/518.10.1.1550.
Lisboa, 12 de Septembro de 1888
Ex.mo Amigo e Snr.
Agradeço infinitamente a remessa do seu, a todos os respeitos, excellente artigo acêrca do português-de-pretos, e diffusão do português em Africa:1 é um trabalho de verdadeira importancia e que não deve deixar de ser consultado por quem quer que se occupe deste momentoso assumpto. Li-o de uma assentada, com interesse que nunca afroxou.
A grammatica do dialecto crioulo de Cabo-Verde é escripta por individuo d’alli, que actualmente reside em Lisboa, mas a quem raras vezes vejo; não é padre, como o amigo #suppõe. O homem é intelligente, muito enthusiasta, como quasi todos os portugueses de alé-mar; de todo, porém, alheio a estudos, processos ou methodos glottologicos: Chama-se Brito, e tem mais outro appelido de que me não recordo. A grammatica deve ser publicada nos Boletins da Sociedade de Geographia de Lisboa,2 e, segundo ouvi, dar-se hão d’ella ao auctor exemplares separados. Eu apenas fui ouvido, e Coelho tambem, na parte que se refere á phonologia, e d’essa mesma pouco transparecerá que seja influencia nossa, por isso que o auctor não é muito transigente, e não tem a comprehensão clara de qual é a importancia do assumpto. Quanto a mim, é trabalho de pouco valor no que respeita a methodo; |2| conterá porém abundancia de factos. É redigida em português e crioulo (!) ou melhor dicto, português acrioulado, isto não obstante as ponderações de Coelho e as minhas, acêrca de artificialismo de semelhante expediente.
Permitta-me o meu amigo agora, e para isso lhe peço todas as vénias, dois reparos ao seu português, reparos que só um português lhe pode fazer.
Causa-me verdadeiro assombro a sua facilidade em redigir em uma lingua extraordinariamente avessa para estrangeiros, mais, em syntaxe, do que o próprio inglês. A sua construcção syntactica é em geral portuguesa, com excepção da collocação dos pronomes conjunctos, isto é, das formas atonas dos casos obliquos dos pronomes pessoaes, a qual o meu Amigo pauta commummente pela italiana, o que dá um aspecto brasileiro á phrase portuguesa, no mais perfeitamente disposto. E porque conheço plenamente que o meu Amigo pode, querendo, ser escriptor primoroso em português, como já o é em allemão e em francês, aventuro-me a suggerir-lhe umas observações com relação á collocação dos pronomes referida.
São ellas, e constituem regras geraes:
|3|1.ª Orações enunciativas afirmativas, isto é, as de indicativo, imperativo, infinito não subordinado, e condicional, pedem os pronomes conjunctos depois da forma verbal simples, depois do auxiliar na composta ou syntactica, se é de participio passado passivo
Ex.os | dou-t'o, | castelhano | te lo doy |
dê-m’o, | " | démelo | |
dar-t‘o | " | dártelo | |
{ | dar-t’o-ia dava-t‘o | " | te lo daria te lo daba (dábatelo) |
Nas compostas com infinito ou gerundio, depois do auxiliar ou do auxiliado.
2.ª Oração enunciativa negativa, oração de subjuntivo, de relativo, e em geral todas as que começam por adverbio, que não seja de tempo determinado como hontem, hoje, etc, ou por conjunção, ou locuções adverbiaes e conjuntivas – pede os pronomes antes:
Exemplos: | não t‘ dou [sic], | castelhano | no te lo doy |
não t’o dar, | " | no te lo dar | |
mas | hoje dás-mo? | " | ¿me lo dás hoy? |
a par de | a todo o momento | á todo momento | |
me dizes | me dices |
3.ª Orações que começam por pronomes ou adverbios interrogativos pedem cambear antes do verbo os pronomes conjunctos – Ex. quem t’o disse?|4|
As contracções brasileira e italiana nesta parte são, a bem dizer, o inverso, e é mister acautelarem se, especialmente os estrangeiros, contra ellas, porque destoam a ouvido português; o mesmo se pode dizer das castelhanas, taes como, te digo qué nó = digo-te que não.
Posto isto, diz o meu amigo no seu presado bilhete me apresso = português ạprésso-mẹ, brasileiro mi àprésso, castelhano me doy prisa.
É também de advertir que as orações interrogativas em português correcto só pedem o sujeito depois do verbo, se começam por pronome ou adverbio interrogativo, por exemplo: Onde foi elle?, em brasileiro onde elle foi?, o que será aqui ridiculo.
2º. Reparo – Diz o meu Amigo: “essa grammatica creoula na qual me tem fallado“; A construcção é toda portuguesissima, excepto o emprego do tempo composto. O preterito syntactico só pode empregar-se com referencia a acção repetida, continuada, é iterativo; ao passo que o pretérito simples é semelfactivo. Se eu por diversas vezes houvesse fallado na dicta grammatica, dir-se-ia – tem fallado; como só uma vez o fiz, tem de dizer-se fallou. |5| Isto leva-me insensivelmente a uma observação geral. O português com o gallego, são as unicas linguas romanicas, que como o latim não conhecem a distinção funccional entre o aoristo e o perfeito gregos, tam rigorosamente observada nas demais juntamente com as germanicas, as quaes por sua parte não distinguem as funcções diversas do imperfeito e do perfeito. Com relação á primeira destas distinções pode dizer-se:
Distinção rigorosissima entre aoristo e perfeito: grego, allemão (tudesco, alto e baixo allemão) hollandês, e francês.
Menos rigorosa – escandinavas, inglês, italiano e castelhano, com as proençaes (provensal, catalão, etc)
Nulla – latim, português, gallego.
Quanto á 2ª distincção, entre imperfeito e pefeito:
Rigorosissima – Grego, latim, e todas as linguas romanicas
Vagamente expressa – inglês; ex. she would sing = (ella) cantava.
Nulla – Germanicas em geral.
Da collocação dos pronomes conjunctos trac|6|tarei de relance no ultimo nº da Revista Lusitana, ao dar noticia, para que se acautelem, d’uma amostra de grammatica portuguesa que por aqui appareceu, escripta em allemão, o que servirá somente para indugir em erro os estrangeiros[.]3
Sobre a orthographia dos nomes africanos tambem alli publicarei, e antes no Boletim da Soc. de Geogr.4 ou na Revista de Educação e Ensino,5 algumas considerações, e na primeira uma transcripção portuguesa, que poderia muito bem servir para os crioulos portugueses todos, africanos ou outros.
Desculpe o meu amigo, o que deixo dicto, que em nada diminue o altissimo conceito e profunda admiração com que o venero
Seu Muito Amigo
Aniceto dos Reis Gonçalves Vianna
P.S. Se do seu agrado for, redija o meu amigo umas quaesquer phrases em allemão ou em francês, em que se exemplifiquem a collocação dos pronomes conjunctos e o emprego dos preteritos; eu lhes farei a traducção portuguesa, e servir-lhe-iam de paradigmas, por que, repito, estas construcções são embaraçosas para estrangeiros, por contrastarem quasi sempre com as castelhanas correspondentes. Pode dizer que em geral a collocação [destes] pronomes, nas orações subordinadas, coincide com a allemã.
Porque não escreve o meu amigo um artigo, pequenissimo que fosse, algumas linhas, em português para a „Revista Lusitana“, ultimo nº deste anno? Seria alli recebido por todos com o jubilo e acatamento devidos pelos discipulos ao mestre. Assumpto português.
Duas novidades á ultima hora. Vae ser publicada em Angola, por conta, creio eu, das missões americanas, uma traducção em bundo do Evangelho de S. João, editada por um polyglotta suisso Chatelain.6 Por conta do Governo português vae ser editada uma grammatica do dialecto banto de Lunda, sendo o auctor um major do exercito portugues,7 que alli |8| esteve em serviço largo tempo. Será accompanhada de vocabulario e phraseologia de cinco dialectos mais, creio eu. O systema escolhido é ø, infelizmente o de Ollendorf [sic];8 parece-me porém que convencemos, eu e Esteves9 (um orientalista , português tambem) o auctor a que dê um esboço da morphologia como prefacio.
Não é o auctor glottologo, e difficilmente pode ser convencido a dar ao seu trabalho character mais scientifico. Usa de uma transcripção monogrammatica, systema com o qual me não conformo no que respeita a dialectos fallados em possessões portuguesas, cujos nomes ethnicos e grande parte do vocabulario desce aos usos communs infiltrando-se no português, onde terão de receber nova orthographia[.]
No artigo que hei de publicar na “Revista Lusitana“ tractarei por miudos deste objecto, como já disse.
Desculpe-me por quem é ser eu tam extenso
Gonçalves Vianna
1 Vermutlich ist folgendes Werk gemeint: Schuchardt, Hugo. 1888. 'Beiträge zur Kenntnis des kreolischen Romanisch I. Allgemeineres über das Negerportugiesische'. In Zeitschrift für romanische Philologie 12: 242-254. [Archiv-/Breviernummer: 207]
2 Gemeint ist folgendes Werk: Brito, António de Paula. 1887. ' Apontamentos para a Gramática do Crioulo que se fala na Ilha de Santiago de Cabo Verde '. In Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa 7a série, 10:611-669.
3 Viana, Aniceto dos Reis Gonçalves. 1890-1892. ' Gramáticas portuguesas para uso dos alemães '. In Revista Lusitana II:88-90.
4 Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa.
5 Die Zeitschrift Revista de Educação e Ensino wurde 1885 von Manuel António Ferreira Deusdado (1858-1918) gegründet.
6 Gemeint ist vermutlich folgendes Werk: Chatelain, Héli. 1888. O Njimbu ia mbote kua Nzua . London: British & Foreign Bible Society.
7 Vermutlich ist Henrique Dias de Carvalho (1843-1909) und das folgende Werk gemeint: Dias de Carvalho, Henrique A. (1890). Método prático para falar a língua da Lunda . Lissabon: Imprensa Nacional.
8 Gemeint ist wahrscheinlich Heinrich Gottfried Ollendorff (1802-1865), der eine bekannte Methode für das Erlernen von Fremdsprachen durch Erwachsene entwickelte.
9 Vermutlich geht es hier um Francisco Maria Esteves Pereira (1854-1924).