Francisco Adolfo Coelho an Hugo Schuchardt (10-01661)

von Francisco Adolfo Coelho

an Hugo Schuchardt

Lissabon

11. 04. 1885

language Portugiesisch

Schlagwörter: Ethnologie, Anthropologie, Volkskunde Literaturhinweise / bibliographische Angaben Rezension Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa Archivio per lo Studio delle Tradizioni Popolari Schuchardt, Hugo (1882) Meyer, Gustav (1886)

Zitiervorschlag: Francisco Adolfo Coelho an Hugo Schuchardt (10-01661). Lissabon, 11. 04. 1885. Hrsg. von Silvio Moreira de Sousa (2013). In: Bernhard Hurch (Hrsg.): Hugo Schuchardt Archiv. Online unter https://gams.uni-graz.at/o:hsa.letter.1139, abgerufen am 27. 09. 2023. Handle: hdl.handle.net/11471/518.10.1.1139.


|1|

Meu amigo

Tenho padecido bastante n’estes ultimos tempos. Não ha duvida de que estive com uma forte diathese rheumatismal, com feição um tanto gottosa. Vem a velhice antes do tempo, porque tenho 38 annos. Infelizmente a lucta pela existencia aqui é dura e o tempo que me fica dos trabalhos forçados (Curso #superior, onde ha só discipulos nominaes, dirècção d´uma escola primaria #superior, que me absorve o melhor do meu tempo, etc.) é pouco e esse pouco perturbado com os meus padecimentos. Eis porque só hoje lhe envio alguma coisa com relação ao que desejava saber da população das ilhas da Cabo-verde.1 Não prossegui nas investigações (em parte renovadas d´outras já feitas ha tempo), porque os resultados seriam por certo muito magros. Nada de positivo ha escripto acerca da ethnologia d´essas ilhas. Os mais antigos |2|historiadores dos descobrimentos dos portuguezes ou não ou só dão vagas indicações sobre o povoamento das ilhas, que evidentemente estavam desertas quando foram descobertas. Essas indicações e as de escriptores mais recentes resumem-se no seguinte que se acha em José Maria de Sousa Monteiro, Diccionario geographico das provincias e possessões ultramarinas2 (Lisboa, 1850, 8.o p. 179-80):

„Estavam completamente deshabitadas (as ilhas da Cabo-verde), quando foram descobertas, e vestidas de muito arvoredo, de que ainda hoje em algumas Ilhas se encontram vestigios; mas logo em 1462 cuidou o Infante D. Fernando, a quem tinham sido doadas, em as povoar com criados seus, os quaes mandaram vir de Guiné casaes de Jalofos, Balantes e outras tribos por quem dividiram as terras; |3|mas esta povoação apenas foi nos primeiros annos restricta ás Ilhas do Santiago e Fogo, que eram consideradas as principaes. Não se pode assignar nem a epocha, em que principiaram as outras ilhas povoar-se, nem o modo como a sua povoação se fez; não podia comtudo deixar de ser muito menor porque por exemplo na Ilha da Boavista, ainda em mais de meado do seculo 17, e na do Maio nos primeiros annos do seculo 18 iam os inglezes alli trabalhar o sal, e conduzil-o depois nos seus navios, dando apenas alguma cousa aos poucos habitantes pelo trabalho de lh´o carregarem; e por isso delles tomaram o nome os portos principaes, que nesta era o de porto dos Inglezes, e n´aquella de porto-inglez.“

O livro de Sousa Monteiro nada mais offerece que lhe possa ser util sobre o assumpto. A noticia authentica mais antiga que se conhece parece ser a relação de Diogo Gomes,3 existente na bibliotheca de Munich, da qual deu conhecimente Richard Major na sua obra The Life of Prince D. Henrique,4 cap. XVI. Segundo essa relação a ilha de Santiago foi descoberta em 1640 e não havia lá signal algum de homens.

José Joaquim Lopes de Lima nos seus Ensaios5 I, p. XI, quando não se conhecia ainda a existencia da relação de Diego Gomes, attribuindo o descobrimento a Antonio de Nolle, |4|diz:

„Eu persisto no que assim deixo escripto ácerca da descoberta das primeiras tres Ilhas (Maio, S. Thiago e Fogo), rejeitando tradições estranjeiras em contrario, tanto no que respeita á epoca, como á opinião infundada de que a Ilha de S. Thiago, ao descobrir-se era já povoada de povos Jalofos, o que bem claramente contradizem os auctores a que me refiro: de Jalofos, Felupes, Balantas, Papeis e outros, seriam ellas effectivamente povoadas (não fallando nos casaes portuguezes, que para lá mandaram os Donatarios); que para esse fim expresso lhes foi comedido aos moradores exclusivo o resgate de escravos na terra firme fronteira, como se deprehende da limitação posta no contracto de arrendamento feito a Fernão Gomes por El-Rei D. Affonso 5.o, no anno de 1469; mas isso foi por decurso de annos, e por obra dos Portuguezes.„

Tudo isso é muito tenue, muito mais de pressumpção que de facto documentado. A comparação entre a população de côr das ilhas e a das costas fronteiras é que poderia levar os resultados mais segu-|5|ros; mas essa comparação falta, porque aos escriptores que teem tractado do assumpto faltava a competencia em materia d´ethnologia. Em tudo o caso todos os indicios levam a crer que effectivamente a parte negra da população das ilhas veiu da costa fronteira. Em Santa Antão distinguem ainda o elemento fula do elemento negro.

Dir-lhe-hei agora alguma coisa acerca da noticia de Hopffer. Este medico vive aqui perto de Lisboa e eu tentei já sacar d´elle alguns esclarecimentos por intermedio d´um amigo mas sem resultado. O Relatorio6 d´elle começa no no. 2 da IV serie da Bol. da Soc. de geogr.; tem-no completo?

O que H. diz a p. 220 ss. é effectivamente contradictorio. O homem não tinha idea clara da questão; é por isso que recorre a generalidades vagas de segunda mão.

p. 220 (no. 5) falla de brancos nascidos na ilha de paes e mães europeus; n o. 6 de brancos europeus que viveram implantar-se na ilha, onde estabeleceram casa e familia. |6|É evidente que elle quer referir-se a duas camadas de colonos brancos: uma já antiga, outra contemporanea. Os n.os 1 e 2 teem similhante interpretação. No n.o 1 tracta-se dos negros que não nasceram na ilha, mas foram para lá da Guiné, e cujo numero, não tendo sido alimentado ha annos por novas importações, se acha hoje muito reduzido; no n.º 2 tracta-se dos negros nascidos na ilha, descendentes dos que os portuguezes, povoadores d´ella, para lá levaram da Guiné. Aborigines aqui está em sentido extensivo, abusivo por primeiros povoadores. Por primeira e segunda geração designa, creio, H. os primeiros negros transplantados seus filhos nascidos na ilha e seus descendentes sem cruzamento; o cruzamento d´estes com os portuguezes primeiros colonos deu uma primeira geração de mulatos (3a.geração de H.); estes mulatos do 1.o grao (1/2 negro) continuaram a reproduzir-se entre si, sem alteração do typo, ou se cruzaram com brancos, dando mulatos claros do 2.o grão (1/4 negro). Assim temos:

|7|

1a. geração: negros transportados de Guiné.

2a. ″ filhos d´esses negros nascidos na ilha

3a. ″ cruzamento da 2a. com brancos.

4a. ″ ″ ″ 3a. ″ ″

Nos brancos da camada mais recente entram americanos.

Parece-me ser isto o que H. queria dizer.

A imperfeição do Tableau chromatique7 de Broca não permitte julgar bem se as determinações de H. com relação á coloração da pelle são exactas. Alem dos factos d´ordem propriamente anthropologica, o estudo das tradições e costumes dos povoadores de cor das ilhas e dos indigenas da Guiné ministrariam bons indicios com relação á proveniencia dos primeiros, conquanto esses costumes e tradições tenham por vezes experimentado modificações.

Citar-lhe-hei um facto. Em Santiago |8|ha a tradição de que a hirã é uma mulher de cabeça muita volumosa e de corpo franzino, a qual em chegado á edade de 12 annos se transforma em serpente e vae viver no mar.

Na Guiné: „Creem na existencia de duas categorias de genios bons e maus (. Os bons) a que chamam irã ou riam são formosos como os anjos do céu, e como não fazem mal, só recebem d´estes gentios o preito de homenagem, devido ás suas formas encantadoras.„ Bol. Soc. de geogr. de Lisboa III ser. no. 12, p. 716.

Agradeço muito o seu offerecimento com relação ao questionario. Eu espero em breve poder mandar imprimir um largo questionario ethnologico, e então enviar-lhe-hei exemplares para |9|distribuir pelos seus amigos. Conclui um artigo sobre as Sereias e mythos similares, para o Archivio8 de Pitrè, onde reuno novos textos sobre a mãe d´agua.

Espero o artigo da Miscellania Canello-Caix9 sobre o albanez. Já li Lepsius Nubische Grammatik10 que me faltava para o meu trabalho sobre mistura grammatical. Por estes 15 dias remetter lhei umas Notas philologicas.11

Disponha sempre d´este seu
amo. obg mo.

F. Adolpho Coelho

Lisboa, 11 de Abril de 1885.


1 Der Wunsch, mehr über die Bevölkerung der Kapverdischen Inseln zu wissen, wurde von Schuchardt im folgenden Artikel, Seite 915, ausgedrückt: Schuchardt, Hugo. 1882. 'Kreolische Studien I. Ueber das Negerportugiesische von S. Thomé (Westafrika)'. In Sitzungsberichte der philosophisch-historischen Classe der Kaiserlichen Akademie der Wissenschaften. Wien 101: 889-917. [Archiv-/Breviernummer: 132].

2 Monteiro, José Maria de Sousa. 1850. Diccionario geographico das provincias e possessões portuguezas no Ultramar em que se descrevem as ilhas e pontos continentaes que actualmente possue a corôa portugueza... / por Joze Maria de Souza Monteiro . Lisboa : Tip. Lisbonense.

3 Diogo Gomes (c. 1420 – c. 1500) entdeckte 1460 die Kapverdischen Inseln für Portugal.

4 Major, Richard Henry. 1868. The life of Prince Henry of Portugal, surnamed the Navigator, and its results . London: A. Asher.

5 Lima, José Joaquim Lopes de. 1844. Ensaios sobre a statistica das possessões portuguezas na Africa Occidental e Oriental, na Ásia Occidental, na China, e na Oceania: escriptos de ordem do governo de sua majestade fidelissima a senhora D. Maria II . Lisboa: Imprensa Nacional.

6 Hoppfer, Francisco Frederico. 1883. ‘ A Ilha de Santo Antão: Sumária notícia geral sobre o arquipélago de Cabo Verde ’. In Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa. Série 2, 4.

7 Broca, Paul. 1864. Tableau chromatique des yeux, de la peau et des cheveux . In Bulletins de la Société d’Anthroopologie de Paris. Volume 5, 1: 767-773.

8 Die Zeitschrift Archivio per lo Studio delle Tradizioni Popolari wurde 1880 von Giuseppe Pitrè und Salvatore Salomone Marino gegründet.

9 Vermutlich ist folgender Artikel gemeint: Meyer, Gustav. 1886. 'Der Einfluβ des Lateinischen auf die albanesische Formenlehre'. In Miscellanea di filologia e linguistica in memoria Napoleone Caix e Ugo Angelo Canello. Firenze: Successori Le Monnier. 103-111.

10 Lepsius, Richard. 1880. Nubische Grammatik: mit einer Einleitung über die Völker und Sprachen Afrika’s . Berlin: W. Hertz.

11 Es liegen bis jetzt keine Informationen über dieses Werk vor.

Faksimiles: Universitätsbibliothek Graz Abteilung für Sondersammlungen, Creative commons CC BY-NC https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/ (Sig. 01661)