Metatestualità
Todos sabem a difficuldade que ha
para agradar a todos, e ainda he mais impossivel que
dificultozo, que todos uniformemente gostem do mesmo Com o
papel antecedente que falava nos Bailles de Mascaras, sei
que naó ficaraõ muitas pessoas satisfeitas, porque lhe naõ
falei a seu gosto, ao mesmo tempo que mayor
numero de outras acharaõ que falou a razaõ contra a
liberdade, e contra o abuzo. Entre as primeiras naõ faltou
huma que disse, que naõ era aquelle ponto tam criminozo que
merecesse huma taõ ampla censura, porque podendo ser de sua
natureza indiferente, se devia conceber pela melhor parte;
porque havia outros mais escandalozos que podiaõ muito bem
servir de argumento, e que por serem mais frequentes eraõ
mais reprehensiveis, e de quem era totalmente alhea a
indifferença. Isto dito assim secamente, confesso que me deo
hum pouco de cuidado, ao menos para discorrer aonde se
encaminhava esta idea; mas passados alguns dias, topei com o
motivo desta advertencia; e o certo he que teve muita razaõ
em dizer esta tal pessoa que havia couza mais escandaloza
contra quem justamente se pode declamar.
Racconto generale
Foi o cazo; recolhendome para
minha casa na tarde de hum Domingo desta Quaresma, e devendo
fazer caminho por huma rua em que està cituada huma antiga
Paroquia,
Eteroritratto
vi hum tal tumulto
de homens, que entrei no susto do que seria taõ
tumultuozo ajuntamento; mas chegando para mais perto,
vim a conhecer, que era hũa turba indigna de gente
ocioza, e pouco timorata, que depois de practicar no
Templo todo o genero de imprudencia, em quanto o
Ministro Evangelico intimou a palavra de Deos neste
Santo tempo para a reformaçaõ ainda dos costumes, depois
quizeraõ dar o ultimo complemento à sua irreverencia, e
irreligiaõ, pondo-se desfronce da porta da Igreja em
huma comprida ala a tres, e a quatro e fundo, para
encherem de pejo, e enfado as pessoas honestas, e
devotas que sahiaõ da Igreja, que por conta de lhe ser
precizo decer alguns degraos, se achavaõ expostas
involuntariamente a alguma lee descompustura, que talvez
nem isso fosse se naõ cahisse debaxo da
vista daquelles ociozos, e inconsiderados admiradores.
Confesso que foi tal o horror que concebi a este indigno
espectaculo, que toda a noite naõ dormi socegado, conciderando
como seria possivel que em huma Corte adonde florece a devoçaõ,
se pratique, ou deixe practicar taõ impunemente hum abuzo contra
a boa, e recta intençaõ da Igreja, porque manifestamente se está
vendo, que o grande concurso que se encontra nos Templos, naõ ha
dezejo de aproveitar a doutrina Evangelica, mas sim de encher as
horas de tempo, sacrificando a paciencia ao gosto, para no fim
dezafogar a sensualidade ao menos nas exteriores direcçoens a
que nunca se deve empregar a vista; mas depois me capacitei sem
violencia, que este mào costume naõ era, nem podia ser
voluntariamente permettido, mas só tollerado, por naõ chegar nem
aos ouvidos, nem aos olhos de quem Pastoralmente o pòde com
facilidade emmendar, e extinguir; pois estou muito bem certo,
que se os Parrochos respectivamente punissem pela aniquiliçaõ de
hum taõ escandalozo abuzo, reprezentariaõ o seu zelo, e se lhe
naõ havia negar a conveniente providencia, pois a falta de
noticia faz com que muitas vezes, e por muito tempo estejaõ em
socego os criminozos. Naõ me admiro que este máo costume se
practique nas sociedades profanas, porque
Esempio
jà Homero se queixou delle no seu tempo, dizendo
na Illiada I.V. 225. que certo homem tinha os olhos taõ
descarados, e taõ pouco compostos como os de hum caõ, como
se le no original Grego-
Citazione/Motto
Kinos
ommat’ e Kons
mas o que me cauza admiraçaõ he ver
que a perverçaõ do seculo o reduza, pelos arbitrios da
malicia, a se exercitar nos Templos, e nas Assembleas
devotas, influindo hum pessimo exemplo ao Cristinismo,
occazionando mais este argumento contra a boa
pratica da verdadeira Religiaõ, e pureza das maximas que
deve seguir hum bom Catholico.
Ha muito tempo que
conservo no espirito a correçam da impudencia, e expor algumas
queixas contras os ociozos namoradores dos Templos, e cazas de
Oraçaõ; e na qualidade de observador bem posso dizer que este
crime he hum dos que mais directamente me pertencem, porque
quazi sempre se comette pelos olhos, e contra muitas pessoas, a
quem talvez que os criminozos, naõ tenhaõ outra occaziaõ de
offender se naõ desta maneira. Naõ creyo que o publico aprovasse
em tempo algum qualquer sogeito, que logo naõ tivesse hum numero
infinito de imitadores degenerados. Se por acazo apareceo hum
que tudo observava unindo à sua especulaçaõ tudo o que era
justo, immediatamente se produziraõ outros de diferente
qualidade. aparecendo no grande theatro do mundo com o titulo
commum de namorantes; os quaes sem terem respeitoso ao tempo, ao
lugar, e à modestia, inquietaõ huma Igreja inteira, com a
indigna impudencia de seus olhos. Bem podiaõ advertir, que assim
como concorre muita gente para assistir aos divertimentos
publicos dos bonecos, dos bailles, das festividades seculares,
&c (naõ me lembrando voluntariamente das Procissoens, porque
cuido que este ponto hade ter seu lugar proprio) tambem nas
Igrejas se achaõ assistentes attentos, e devotos, e que suplicaõ
a Deos com muita humildade, e compustura interior, e exterior. E
fazendo-se Religiozamente este conceito, he couza indigna, e
escandaloza que esta tropa de irreverentes monstruozos, vaõ para
as Igrejas interromper muitas destas pessoas no mesmo acto em
que estaõ cumprindo com muita attençaõ, e regularidade, a
obrigaçaõ de Catholicas, ou seja na assistencia do Santo
Sacraficio da Missa, ou ouvindo attentamente a
palavra de Deos. Naõ sey se he mais para chorar, do que para rir
ver como estes ociozos buscaõ nas Igrejas os lugares mais
convenientes, aonde tambem se offende a decencia dos Sagrados
Altares encostando-se a elles, servindo-lhe de commodidade para
o crime, quando só se deviam valer delles para expiarem os seus
erros, e melhorando quanto podem de sitio, naõ ficaõ satisfeitos
sem ganharem hum bom lugar de donde possaõ commodamente
descobrir todas as pessoas em quem empregaõ, ou podem empregar
os tiros da sua malignidade, sem lhe occorrer que quanto melhor
he o lugar, mais expostos ficaõ á censura de todo o mundo que os
admira com horror. Persuadome que as almas devotas se acham
demaziadamente mortificadas, vendo-se a mayor parte dellas
precizadas a cobrir-se de pejo, e vergonha, refletindo em que
sendo a malicia muita e o discurso livre, se achem innocentes, e
cumpleces em algum juizo, sem que nem por sombras convenhaõ nos
importunos gostos daquelles impudentes, occazionando-lhe muitas
vezes huma quazi impossibilidade para estarem attentas aos
Sacraficios, à Oroçaõ (sic), e aos Sermoens. Isto que muitas
vezes tenho observado, e actualmente se està vendo, me persuade
a dizer, que naõ ha couza alguma que mais agrave huma offença,
como he cometer-se em hum lugar, cuja santidade se emprega para
azilo do mesmo que o profana; e hum semelhante procedimento bem
merece hum reparo particular, e huma censura universal, ainda
que só o primeiro seria util, e efficaz, porque o segundo cuido
naõ pode produzir effeito, pois semelhantes Namorantes
ordinariamente nunca cedem ás razoens que nacem da natureza das
couzas. A isto acrece que hum homem que tem valor
para fixar indecencia os olhos em hum grande ajuntamento de
pessoas honestas, renunciando o pejo, a vergonha, e a propria
estimaçaõ, soportando immovel a vista de todo o mundo, naõ tem
facil correcçaõ por meyo de exhortaçoens. Em quanto se lhe naõ
aplica algum opportuno remedio a que naõ possa rezistir a
conciencia, e o respeito, bem se lhe podia applicar hum
interino, subsidiario, e facil, espalhando-se por entre elles
algumas pessoas timoratas que pondo-se respectivamente diante de
cada hum, naõ tirem delle os olhos para ver se assim o impede a
naõ interromper as pessoas do sexo femenino que estaõ attentas
às obrigaçoens de Catholicas; e alem disso seria precizo
industriar aquellas pessoas destinadas para este effeito, nas
regras mais exactas da optica, para se porem em huma fórma, que
possa sempre encontrar os olhos do seu antagonista em qualquer
movimento que delles faça; e cuido que todas as vezes que se
encontrarem mutuamente os rayos visuaes dos dous contrarios, ou
aquellas pessoas pelas quaes entra o impudente a ser lince, lhe
derigem alguma vista favoravel, esperando disto algum feliz
successo, hade conceber alguma vergonha, ou pejo, experimentando
hum pouco daquelle embaraço em que se achaõ muitas vezes os mais
de seu officio. Hum destes homens adquire hum certo genero de
inutilidade taõ universal, que parece tambem huma especie de
proscripto pelas Leys da boa civilidade, e como tal nem o
publico, nem o particular deve tomar por sua conta deffendelo,
ou patrocinalo, e por isso livremente se pode tratar com
desprezo. Com tudo aquelles impudentes dissimulados parece podem
ser mais sofriveis do que certos estafermos, que sem
consideraçaõ alguma se gavaõ muitas vezes do que naõ he imaginando que com hum defeito alheyo, podem
encobrir huma das mayores faltas do mundo como he serem
attrevidos, e descarados; mas devem lembrar-se de que isto naõ
pode durar muito, e que todo o homem que se acha convencido de
hum semelhante defeito, naõ póde esperar tirar delle utilidade
alguma; pelo que deve trabalhar quanto poder em lançalo fora,
como quem arroja de si o que lhe faz muito pezo, porque os fins
podem ser muitas vezes sinistros, como tem mostrado a
experiencia. E quanto aos indiscretos espectadores dos Adros das
Igrejas, tambem no entanto podiaõ ter hum remedio providencial,
que era, recolhelos por modo que naõ escapasse nenhum, em huma
parte segura, e separar os que sem prejuizo irreparavel naõ
fizessem falta, às suas familias, e remettellos para parte aonde
se reduzisse o Ocio a utilidade, e por huma chimica politica se
tirasse alguma serventia, poupando se ao menos as despezas das
levas, e o trabalho dos Ministros, porque neste tempo,
principalmente nas Igrejas de mayor concurso, se acharà (como
dizem) o comer feito, e com pouco custo, e assim ficaria a
sociedade civil livre de muita gente que naõ faz nada, e o
exercicio da Religiaõ sem tantos membros inuteis que
escandalozamente o pertubam, e infamaõ.