Num.° 9 Anónimo (Bento Morganti) Moralische Wochenschriften Klaus-Dieter Ertler Herausgeber Hans Fernández Herausgeber Elisabeth Hobisch Mitarbeiter Pascal Striedner Mitarbeiter Sarah Lang Gerlinde Schneider Martina Scholger Johannes Stigler Gunter Vasold Datenmodellierung Applikationsentwicklung Institut für Romanistik, Universität Graz Zentrum für Informationsmodellierung, Universität Graz Graz 04.10.2018 o:mws.7004 Anónimo (Morganti, Bento): Segunda Collecçam dos Papeis Anonymos. Lisboa: Pedro Ferreira, 1753, 65-72 O Anonymo. Repartido pelas semanas, para divertimento e utilidade do publico 2 009 1753 Portugal Ebene 1 Ebene 2 Ebene 3 Ebene 4 Ebene 5 Ebene 6 Allgemeine Erzählung Selbstportrait Fremdportrait Dialog Allegorisches Erzählen Traumerzählung Fabelerzählung Satirisches Erzählen Exemplarisches Erzählen Utopische Erzählung Metatextualität Zitat/Motto Leserbrief Graz, Austria Portuguese Adelskritik Critica della Nobilità Critics on Nobility Crítica de la Nobleza Critique de la noblesse Crítica da nobreza Moral Morale Morale Moral Morale Moral Portugal -8.13057,39.6945

N.°.9 Dos bens da Fortuna.

Nam posso deixar de me admirar quando vejo a grande fadiga com que os homens se applicam a adquirir, e accumular aquillo a que chamam bens da Fortuna, para o que os conduz ou a vaidade, ou a ambiçam. Se este dezejo fosse produzido de huma idéa justa de quererem armar-se de meyos proporcionados para fazer bem ao proximo, e de poderem valer hũs a outros com os estimulos de huma Santa Caridade, seria naõ só irreprehensivel, mas ainda muito louvavel o seu trabalho, e o seu dezasocego continuado; mas naõ tendo ordinariamente os homens diante dos olhos esta virtuoza idéa, naõ deixa de ser de algum modo criminoza a excessiva deligencia que empregam em buscar estes chamados bens. Mas cuido que porque naõ sabem inteiramente o que elles em si contem de mal, he que os buscam com ancia porque se levam sómente do superficial, e especiozo titulo de bem. Ora quero que todos me devam o beneficio do dezengano, e poderà ser que de alguma sorte se diminua ou a sua vaidade, ou a sua ambiçam, pois lhe quero mostrar os effeitos que produz, ou póde produzir esta sua chamada felicidade.

Isto a que commumente se chama fazer hum homem a sua fortuna, isto he augmentar muitos os seus bens, e o seu cabedal, he huma fraze tam excellente, e que explica huma coiza tam boa, que tem hum uzo quasi universal, porque he commua em todas as lingoas; e ainda as naçoens mais barbaras a reconhecem: reina nas Cortes, nas Cidades, nas Villas, e em quasi todos os lugares; atè chega a penetrar os Claustros, e ainda os lugares mais Sagrados, os Dezertos, e as Solidoens naõ estaõ livres do conhecimento de semelhante fraze. Mas para se pôr em uzo pratico nam basta qualquer espirito por mais vivo que seja, nem toda a boa deligencia com que elle se pertende empregar, mas he necessario sobre tudo que seja acompanhado de huma grande fortuna em si mesmo, para conseguir os dezejados bens porque tanto suspira: sendo certo que nam pertence nam ao bom nem ao bello espirito; nem ao grande nem ao sublime; nem ao forte, nem ao delicado de que venho a inferir ser impossivel determinar qual seja precizamente a qualidade de esperito, que póde concorrer para se adquirirem, e acomularem os muitos bens da fortuna, e por isso assento em que todos elles se devem propriamente à mesma fortuna, sem o que, ainda as deligencias mais vivas seràm inuteis, infractuozas. Quantos homens vemos todos os dias applicados ao trabalho, ao negocio, às Artes, e às profissoens sem que possam adiantar um passo para conseguir estes dezejados bens, e nunca o conseguiram, nem de prezente o conseguem; quando por outra parte vemos a muitos occiozos, innuteis, e descuidados, que de repente se acham possuidores de grandes bens, que por titulo de herança, ou por qualquer outro se lhe uniram? E nisto certamente havemos de confessar que nam teve parte alguma o seu espirito; seja de que qualidade for, mas que a sua propria fortuna he a q̃ concorreo para a posse daquelles bens.

Destes successos se encontram a cada passo, e ordinariamente olhamos para os homens nesta transformaçam de estado, como o fazemos para aquellas Arvores, que depois de grandes se transplatam para os jardins, aonde cauzam admiraçam a todos que as vem postas naquelles excellentes lugares em que as naõ viram crecer, e que naõ conhecem nem os seus principios, nem os seus progressos, de sorte que ordinariamente os bens da fortuna trazem sempre huma origem desconhecida, e por isso nam he impropria a admiraçam.

Que conceito formariam do prezente seculo, os antigos se voltassem a este mundo, vendo alguns del-les as suas antigas cazas, e os seus melhores bens possuidos por algumas pessoas, cujoa paes, ou avóz póde ser que tivessem sido seus mercenarios? Eu nam sei qual seria o seu conceito; mas persuadome que haviam de criminar o descuido, o desgoverno, a prodigalidade, e sobre tudo a pouca fortuna de seus descendentes; pois he certo que no mundo ha dous modos de hum homem se ellevar à posse de semelhantes bens; ou pela sua propria industria favorecida pela fortuna, ou pela negligencia, e desmazello dos outros acompanhados da desgraça.

Tendo estes bens semelhantes principios, quaes seram os seus effeitos? Quasi todos se enganam no modo com que olham para esta chamada felicidade de os possuir; primeiramente póde ser que os filhos fossem mais amados de seus paiz, e estes devessem muito mayor amor aos mesmos filhos se nam mediasse aquelle titulo de herdeiros, porque he tam má a condiçam do homem que faz muitas vezes prevalecer o dezejo de possuir hum grande cabedal, e huns avultados bens da fortuna, esquecendo-se das obrigaçoens da natureza: e nam deixa de ser triste, e mizeravel a condiçam humana, quando para ter semelhante fortuna, ou aposse de seus bens se faz dependente da agonia, e do ultimo respiro dos que nos sam mais proximos no sangue; pelo que estes mesmos bens nos pódem procurar de alguma sorte muitos inimigos da nossa existencia, o que nam succederia se naõ tivessemos tanta grandeza, porque naõ havendo muito que esperar, se nam fomentaria pela ambiçam o dezejo de se ver extincto o obstaculo que impede, e embaraça a brevidade com que se dezejam possuir os bens da fortuna; pelo que entendo neste sentido que he felicidade muito mayor naõ haver semelhante abundancia: e neste lugar naõ posso deixar de advertir a todos, que aquelle serà reputado por homem de bem, quando para possuir huma grande herança, naõ dezeje que seu pay passe depressa os seus dias.

Todos os homens pelos differentes lugares, que se ocupaõ, pelos titulos, e pelas successoens olham huns para os outros como se fossem reciprocamente herdeiros de seus bens, de officios, e de lugares, e por este interesse cultivarám por todo o tempo de sua vida hum occulto dezejo da morte alhea; e assim vem os homens a enganarse quando cuidam, que a mayor felicidade em qualquer condiçaõ he possuir o muito que se ha de perder por sua morte, estando cercado de tantos successores presumptivos que anciosamente a estam a todas as horas esperando.

Mas àlem desta péssima qualidade, que anda anexa à posse destes bens, ainda ha outra, que quasi sempre he delles inseparavel. Entre todas as affiçoens que combatem o homem, naõ ha nenhuma que tenha quasi huma perpetua duraçaõ como he a que procede da perda dos bens; pois o mesmo tempo que adoça, e suaviza todas as mais, augmenta esta, porque em todos os instantes do curso da vida se conhece, e renova a falta dos bens que se perderaõ; do que bem se pòde inferir que he loucura grande dezejar com efficacia a posse de huma coiza, que quando se perde cõmunica ao homem huma afliçaõ que a todas as horas mortifica, e que naõ he o tempo capaz a serenar.

O trabalho, e o arrependimento saõ outras duas qualidades, que trazem aos homens estes dezejados bens; porque para se conseguir qualquer fortuna he precizo empregar todas as deligencia, e andar sempre excogitando todos os meyos de se adquirir, e nisto naõ deixa de haver grande trabalho. Se houve a minima negligencia, ou o mais leve descuido, o qua se entêde cõcorreo para a negaçaõ desta fortuna, a todos os instantes se reconhece hum vivo arrependimento. E bens que trazem comsigo trabalho antecipado, e mortificaçaõ futura, quasi que perdem a natureza de bem convertendo-se na qualidade de mal.

He para admirar o estranho modo comque (sic) se adquirem os bens da fortuna, e a facilidade comque se perdem. O Avarento animado pela ambiçam poem todo o seu cuidado, e emprega as suas mais vivas deligencias para os adquirir, e conservar; mas quando morre gasta em hum só dia muito mais do que fez em dez annos, e o seu herdeiro consome mais em hum só mez, do que o avarento destribuio em toda a sua vida; do que se infere a pouca, e insubsistente duraçam daquelles mesmos bens que no commum conceito dos homens se entende serem perpetuos, e permamentes.

Depois de tudo isto, nam sei que haja occasiaõ mais proxima para a pobreza, como sam as grandes riquezas; porque entendendo os homens que estas nam podem acabar vam consumindo com maõ larga, e despendendo a seu arbitrio sem ser ouvida a razaõ, e quando menos o cuidam se acham sem coua alguma cahidos na pobreza mais miseravel, o que naõ experimentariaõ se naõ tivessem tam copiosa abundancia de bens, e eu conheci certa pessoa, que antes de ter huma tença de 300U reis annuaes passava muito em, e depois que possuhio este rendimento com o qual já se imaginava rico, duplicou as despezas de sorte que naõ somente lhe naõ bastava, mas ainda viveo dali em diante sempre pobre porque naõ podia extinguir os seus empenhos, o que me deo occasiaõ a julgar por cauza proxima da pobreza o augmento dos bens que antes naõ tinha, e passava como se fosse rico, naõ devendo nada a ninguem, e aqui naõ me posso esquecer de lembrar aos meus Leitores, que se he rico aquelle que tem tudo quanto lhe he preciso para naõ ter necessidade que aquelle he pobre, que dezeja todas as couzas, o ambicioso, e o avarento passam sempre em huma extrema pobreza.

Ultimamente nenhuma outra couza se converva por mais tempo do que huma mediocre fortuna: assim como naõ ha couza de que se veja mais depressa o fim do que huma fortuna grande, e excessiva; pelo que bem posso seguramente persuadir aos meus Leitores, que os mayores bens da fortuna que com ancia se devem procurar, sam os que podem comunicar huma fortuna mediana, com os quaes se passe com decencia a vida; porque estes trazem comsigo muito menos perigos da inveja, e decadencia; pois isto quasi basta para hum homem se julgar rico, gastando menos do que tem de renda, porque excedendo a despeza à receita em pouco tempo se achará pobre.

Se todos fizerem huma boa reflexam sobre as qualidades anexas aos bens da fortuna, entendo que hamde diminuir o grande, e excessivo amor comque os buscam, e satifazendo-se de gozar os sufficientes para passarem a vida, viviram sem sustos, sem ser invejados, e sem tantos inimigos quantos sam os herdeiros, e os successores aos mesmos bens, que quanto mais saõ, mais se augmenta a conspiraçam contra a vida de quem os pessua. Em tudo o estado medio he o melhor, e o mais seguro.

—— Medio tutissimus ibis.

Na Officina de Pedro Ferreira, Impressor da Augustissima Rainha nossa Senhora

N.°.9 Dos bens da Fortuna. Nam posso deixar de me admirar quando vejo a grande fadiga com que os homens se applicam a adquirir, e accumular aquillo a que chamam bens da Fortuna, para o que os conduz ou a vaidade, ou a ambiçam. Se este dezejo fosse produzido de huma idéa justa de quererem armar-se de meyos proporcionados para fazer bem ao proximo, e de poderem valer hũs a outros com os estimulos de huma Santa Caridade, seria naõ só irreprehensivel, mas ainda muito louvavel o seu trabalho, e o seu dezasocego continuado; mas naõ tendo ordinariamente os homens diante dos olhos esta virtuoza idéa, naõ deixa de ser de algum modo criminoza a excessiva deligencia que empregam em buscar estes chamados bens. Mas cuido que porque naõ sabem inteiramente o que elles em si contem de mal, he que os buscam com ancia porque se levam sómente do superficial, e especiozo titulo de bem. Ora quero que todos me devam o beneficio do dezengano, e poderà ser que de alguma sorte se diminua ou a sua vaidade, ou a sua ambiçam, pois lhe quero mostrar os effeitos que produz, ou póde produzir esta sua chamada felicidade. Isto a que commumente se chama fazer hum homem a sua fortuna, isto he augmentar muitos os seus bens, e o seu cabedal, he huma fraze tam excellente, e que explica huma coiza tam boa, que tem hum uzo quasi universal, porque he commua em todas as lingoas; e ainda as naçoens mais barbaras a reconhecem: reina nas Cortes, nas Cidades, nas Villas, e em quasi todos os lugares; atè chega a penetrar os Claustros, e ainda os lugares mais Sagrados, os Dezertos, e as Solidoens naõ estaõ livres do conhecimento de semelhante fraze. Mas para se pôr em uzo pratico nam basta qualquer espirito por mais vivo que seja, nem toda a boa deligencia com que elle se pertende empregar, mas he necessario sobre tudo que seja acompanhado de huma grande fortuna em si mesmo, para conseguir os dezejados bens porque tanto suspira: sendo certo que nam pertence nam ao bom nem ao bello espirito; nem ao grande nem ao sublime; nem ao forte, nem ao delicado de que venho a inferir ser impossivel determinar qual seja precizamente a qualidade de esperito, que póde concorrer para se adquirirem, e acomularem os muitos bens da fortuna, e por isso assento em que todos elles se devem propriamente à mesma fortuna, sem o que, ainda as deligencias mais vivas seràm inuteis, infractuozas. Quantos homens vemos todos os dias applicados ao trabalho, ao negocio, às Artes, e às profissoens sem que possam adiantar um passo para conseguir estes dezejados bens, e nunca o conseguiram, nem de prezente o conseguem; quando por outra parte vemos a muitos occiozos, innuteis, e descuidados, que de repente se acham possuidores de grandes bens, que por titulo de herança, ou por qualquer outro se lhe uniram? E nisto certamente havemos de confessar que nam teve parte alguma o seu espirito; seja de que qualidade for, mas que a sua propria fortuna he a q̃ concorreo para a posse daquelles bens. Destes successos se encontram a cada passo, e ordinariamente olhamos para os homens nesta transformaçam de estado, como o fazemos para aquellas Arvores, que depois de grandes se transplatam para os jardins, aonde cauzam admiraçam a todos que as vem postas naquelles excellentes lugares em que as naõ viram crecer, e que naõ conhecem nem os seus principios, nem os seus progressos, de sorte que ordinariamente os bens da fortuna trazem sempre huma origem desconhecida, e por isso nam he impropria a admiraçam. Que conceito formariam do prezente seculo, os antigos se voltassem a este mundo, vendo alguns del-les as suas antigas cazas, e os seus melhores bens possuidos por algumas pessoas, cujoa paes, ou avóz póde ser que tivessem sido seus mercenarios? Eu nam sei qual seria o seu conceito; mas persuadome que haviam de criminar o descuido, o desgoverno, a prodigalidade, e sobre tudo a pouca fortuna de seus descendentes; pois he certo que no mundo ha dous modos de hum homem se ellevar à posse de semelhantes bens; ou pela sua propria industria favorecida pela fortuna, ou pela negligencia, e desmazello dos outros acompanhados da desgraça. Tendo estes bens semelhantes principios, quaes seram os seus effeitos? Quasi todos se enganam no modo com que olham para esta chamada felicidade de os possuir; primeiramente póde ser que os filhos fossem mais amados de seus paiz, e estes devessem muito mayor amor aos mesmos filhos se nam mediasse aquelle titulo de herdeiros, porque he tam má a condiçam do homem que faz muitas vezes prevalecer o dezejo de possuir hum grande cabedal, e huns avultados bens da fortuna, esquecendo-se das obrigaçoens da natureza: e nam deixa de ser triste, e mizeravel a condiçam humana, quando para ter semelhante fortuna, ou aposse de seus bens se faz dependente da agonia, e do ultimo respiro dos que nos sam mais proximos no sangue; pelo que estes mesmos bens nos pódem procurar de alguma sorte muitos inimigos da nossa existencia, o que nam succederia se naõ tivessemos tanta grandeza, porque naõ havendo muito que esperar, se nam fomentaria pela ambiçam o dezejo de se ver extincto o obstaculo que impede, e embaraça a brevidade com que se dezejam possuir os bens da fortuna; pelo que entendo neste sentido que he felicidade muito mayor naõ haver semelhante abundancia: e neste lugar naõ posso deixar de advertir a todos, que aquelle serà reputado por homem de bem, quando para possuir huma grande herança, naõ dezeje que seu pay passe depressa os seus dias. Todos os homens pelos differentes lugares, que se ocupaõ, pelos titulos, e pelas successoens olham huns para os outros como se fossem reciprocamente herdeiros de seus bens, de officios, e de lugares, e por este interesse cultivarám por todo o tempo de sua vida hum occulto dezejo da morte alhea; e assim vem os homens a enganarse quando cuidam, que a mayor felicidade em qualquer condiçaõ he possuir o muito que se ha de perder por sua morte, estando cercado de tantos successores presumptivos que anciosamente a estam a todas as horas esperando. Mas àlem desta péssima qualidade, que anda anexa à posse destes bens, ainda ha outra, que quasi sempre he delles inseparavel. Entre todas as affiçoens que combatem o homem, naõ ha nenhuma que tenha quasi huma perpetua duraçaõ como he a que procede da perda dos bens; pois o mesmo tempo que adoça, e suaviza todas as mais, augmenta esta, porque em todos os instantes do curso da vida se conhece, e renova a falta dos bens que se perderaõ; do que bem se pòde inferir que he loucura grande dezejar com efficacia a posse de huma coiza, que quando se perde cõmunica ao homem huma afliçaõ que a todas as horas mortifica, e que naõ he o tempo capaz a serenar. O trabalho, e o arrependimento saõ outras duas qualidades, que trazem aos homens estes dezejados bens; porque para se conseguir qualquer fortuna he precizo empregar todas as deligencia, e andar sempre excogitando todos os meyos de se adquirir, e nisto naõ deixa de haver grande trabalho. Se houve a minima negligencia, ou o mais leve descuido, o qua se entêde cõcorreo para a negaçaõ desta fortuna, a todos os instantes se reconhece hum vivo arrependimento. E bens que trazem comsigo trabalho antecipado, e mortificaçaõ futura, quasi que perdem a natureza de bem convertendo-se na qualidade de mal. He para admirar o estranho modo comque (sic) se adquirem os bens da fortuna, e a facilidade comque se perdem. O Avarento animado pela ambiçam poem todo o seu cuidado, e emprega as suas mais vivas deligencias para os adquirir, e conservar; mas quando morre gasta em hum só dia muito mais do que fez em dez annos, e o seu herdeiro consome mais em hum só mez, do que o avarento destribuio em toda a sua vida; do que se infere a pouca, e insubsistente duraçam daquelles mesmos bens que no commum conceito dos homens se entende serem perpetuos, e permamentes. Depois de tudo isto, nam sei que haja occasiaõ mais proxima para a pobreza, como sam as grandes riquezas; porque entendendo os homens que estas nam podem acabar vam consumindo com maõ larga, e despendendo a seu arbitrio sem ser ouvida a razaõ, e quando menos o cuidam se acham sem coua alguma cahidos na pobreza mais miseravel, o que naõ experimentariaõ se naõ tivessem tam copiosa abundancia de bens, e eu conheci certa pessoa, que antes de ter huma tença de 300U reis annuaes passava muito em, e depois que possuhio este rendimento com o qual já se imaginava rico, duplicou as despezas de sorte que naõ somente lhe naõ bastava, mas ainda viveo dali em diante sempre pobre porque naõ podia extinguir os seus empenhos, o que me deo occasiaõ a julgar por cauza proxima da pobreza o augmento dos bens que antes naõ tinha, e passava como se fosse rico, naõ devendo nada a ninguem, e aqui naõ me posso esquecer de lembrar aos meus Leitores, que se he rico aquelle que tem tudo quanto lhe he preciso para naõ ter necessidade que aquelle he pobre, que dezeja todas as couzas, o ambicioso, e o avarento passam sempre em huma extrema pobreza. Ultimamente nenhuma outra couza se converva por mais tempo do que huma mediocre fortuna: assim como naõ ha couza de que se veja mais depressa o fim do que huma fortuna grande, e excessiva; pelo que bem posso seguramente persuadir aos meus Leitores, que os mayores bens da fortuna que com ancia se devem procurar, sam os que podem comunicar huma fortuna mediana, com os quaes se passe com decencia a vida; porque estes trazem comsigo muito menos perigos da inveja, e decadencia; pois isto quasi basta para hum homem se julgar rico, gastando menos do que tem de renda, porque excedendo a despeza à receita em pouco tempo se achará pobre. Se todos fizerem huma boa reflexam sobre as qualidades anexas aos bens da fortuna, entendo que hamde diminuir o grande, e excessivo amor comque os buscam, e satifazendo-se de gozar os sufficientes para passarem a vida, viviram sem sustos, sem ser invejados, e sem tantos inimigos quantos sam os herdeiros, e os successores aos mesmos bens, que quanto mais saõ, mais se augmenta a conspiraçam contra a vida de quem os pessua. Em tudo o estado medio he o melhor, e o mais seguro. —— Medio tutissimus ibis. Na Officina de Pedro Ferreira, Impressor da Augustissima Rainha nossa Senhora