Citazione bibliografica: Anónimo (Bento Morganti) (Ed.): "Num. 7", in: O Anonymo. Repartido pelas semanas, para divertimento e utilidade do publico, Vol.2\007 (1753), pp. 49-56, edito in: Ertler, Klaus-Dieter / Fernández, Hans (Ed.): Gli "Spectators" nel contesto internazionale. Edizione digitale, Graz 2011- . hdl.handle.net/11471/513.20.4509 [consultato il: ].


Livello 1►

N.°.7

Fim do Sonho Moral.

Livello 2► Vamos dando fim a esta conversa, porque tambem he sonhar muito para quem dorme taõ pouco. Se todos foraõ do meu genio naõ se haviaõ de enfastiar com documentos taõ bons como eraõ todos os que Diogenes costumava dar; mas como os gostos taõ diferentes pode ser que haja muitos que naõ queiraõ ter tanto sofrimento em ler, como o mesmo Alexandre teve em ouvir, nem tanta [50] paciencia como eu tenho em escrever. Mas vamos com a oraçaõ por diante, que cuido desta seita lhe darei fim.

Dizia mais o Amigo Diogenes: Traum► Toda a justiça deve identificar-se com o Principe de tal sorte que em nenhum tempo delle se separe. Esta hade ser a sua primeira, e ultima esposa, aonde prolifique a paz fecunda, e de donde naça a tranquilidade do Reyno. He taõ grande a necessidade desta virtude, que ainda os que se alimentaõ de tiranias, e maleficios sem alguma sustancia da justiça naõ podem viver. Oh que terrivel, e quasi brutal he aquella proposiçaõ: Citazione/Motto► Licet si lubet, ◀Citazione/Motto e pelo contrario muito racionaol a outra Citazione/Motto► minimum decet libere, cui nimium licet. ◀Citazione/Motto Quem mais pode, e se modera merece mais do que aquelle que naõ faz mais porque mais naõ pode. Tenha o Principe respeito naõ só ao que pode, mas muito mais ao que lhe he permetido. He maxima diabolica, e com tudo ainda se uza; que toda a força dos ceptros acaba quando principia a pezar o que he justo; porque os ceptros nunca melhor florecem se naõ quando delles brota a justiça. O Direito, e a Equidade saõ os laços, comque se subjugaõ, e sogcitaõ os subditos. Tirada a justiça naõ seriaõ os Reynos mais que bosques de feras; estacadas de Gladiadores, e seminarios de latrocinios. He tambem barbaro aquelle Dogma: Citazione/Motto► Na mayor fortuna aquillo he mais justo que he mais poderoso. ◀Citazione/Motto Quem mais poderoso que Deos, mas tambem quem he mais justo que o mesmo Deos? Ainda que o Rey possa tudo, nem por isso deve querer tudo quando pode naõ sendo digno de louvor. Naõ se ouça mais a outra blasfemia, de que Citazione/Motto► naõ he injusto o que só he util ao Principe. ◀Citazione/Motto Naõ ha couza mais fructifera, e util que a justiça com a qual cheios de prosperidades se observaõ risonhos os Reynos, ao mesmo tempo que naõ ha couza mais esteril que a injustiça, aonde cheyos de espinhos choraõ os Povos: com a Piedade, e com a justiça saõ os Principes Deozes. [51] Poucos dias ha que por acazo me sucedeu ler alguns versos de Hessiodo filho das Musas, entre os quaes achei estes dous, que com hum cravam escrevi, para me naõ esquecerem, em huma desta aduelas da minha pipa, dignos certamente de se gravarem com caracteres de Estrelas ao redor do Arctico Polo: quereis, que eu os lea?

A. Le-os muito embora, que pòde ser que os illustres com algum comento, porque naõ sou taõ inimigo do estudo como imaginas; pois à cabeceira da minha cama junto com a minha espada tenho o grande Homero, para final de que igualmente amo as letras, e as Armas.

D. Fazeis muito bem, ò Senhor, porque assim resplandecerà o vosso nome mais illustrado pelas letras, que pelas Armas. Estas naõ tem luzimento se o naõ recebem daquellas: porque só as penas saõ as q̃ fazem voar a Fama dos Heroes: Exemplum► e todas as bèlicas trombetas naõ equivalem ao som de hum só Homero, por quem Aquilles, e Ulysses viveraõ sempre gloriosos para a posteridade. ◀Exemplum

A. Felices Heroes, q̃ alcançaram hum Poeta tam celebre; infeliz Alexandre a quem falta hum Homero, que celebre as suas acçoens?

D. Ouve os versos, e naõ desconfieis, que te faltem Homeros se lhe deres a trombeta de ouro?

A. Naõ he possivel, que ache hum Homero, e se eu o podesse fazer volrar là desse Lethes, de boa vontade daria todos os meus Thesouros, e na sua cabeça colocaria a minha propria Coroa.

D. Isto, Senhor, saõ verdadeiramente sentimentos generosos? Naõ saõ assim aquelles Grandes miseraveis, que tem sempre as mãos fechadas parecendo mais Alferes, que Capitaens, e mais Tenentes, que Generaes.

[52] Ex aqui os versos de Hesiodo:

Citazione/Motto► Hac una, reges olim, sunt fine creati:
Dicere jus populis, injustaque tollere facta. ◀Citazione/Motto

A. Reparo naquelle Olim, que quasi me parece quer dizer, que já hoje os Reys naõ administram justiça, nem se aplicaõ a extinguir as obras màs dos seus subditos.

D. Como pòdem os cegos servir de guias, e conduzir os coxos? Aquelle Olim naõ exclue o tempo futuro; porque na eternidade tudo se contem em hum só ponto o preferente, o passado, e o futuro. Mas neste lugar o Olim, he relativo ao futuro, e quer dizer que se antigamente os Reys eraõ justos, e zelozos dos seus Povos para a observancia das leys Divinas, e humanas, viriam para o futuro taes, e taes soberanos, que servos do interesse, e escravos da ambiçaõ, pizariaõ ainda os altares para delles fazerem degraos para a tirania: e como serà possivel que estes possam supprimir os delictos, e oprimir os delinquentes, se saõ mais protervos, que os proprios subditos? Naõ se deve por esta causa aborrecer a clemècia causa desprezo; mas a moderada cõcilia ao Principe o amor do Povo. Quem quer reynar pacifico naõ deve trocar o ceptro em vara, só quando o delinquir se converter em contumacia, e a enormidade do excesso provocar a gravidade do castigo. Faça se o Principe mais amado pela benignidade, q̃ temido pela acrimonia. He aforismo irrefragavel, cuja prova he authorizada pela experiêcia, q̃ todo o soberano, q̃ com a benignidade, e mansidam temperou o mando, o cõduzio com candida, e alegre [53] vida atè a huma dilatada, e descançada velhice.

A demaziada severidade diminue com a sua frequencia a authoridade do que manda; e aquelles excessos que sem pre se castigam, mais vezes se cometem. Eteroritratto► Saõ como estas plantas, que tomam mais vigor do mesmo ferro que as corta; assim a crueldade so castigo acrescenta ao que pune as inimizades. Aquelle temer he temperado que refrea os culpados; mas o continuado, e violento excita para a conspiraçaõ do odio ainda os justos. A crueldade augmenta nos que governaõ o temor, e naõ o poder, e quando aquelle cresce, este muitas vezes diminne. Naõ se hade satisfazer tanto da pena, que algumas vezes se naõ satisfaça com a penitencia dos Reos. Oh como he agradavel o perdaõ, que se dà aos miseraveis, que nem porisso (sic) ficam injuriados, porque tambem he pena verem-se humilhados, e ouvirem-se supplicantes. O amor se compensa com outro amor; o respeito nace da estimaçaõ, que se faz da virtude, e naõ do medo da regidez. ◀Eteroritratto

A. Muito grande gosto tive, Diogenes, de ouvir a tua liberdade Cinica, e muito tenho aprendido da tua doutrina taõ erudita. Vem commigo para a Corte, que eu prometo de te dar lugar na minha meza, aonde se sentaõ os Filosofos, que anteponho a estes meus Generaes, que me coroaõ.

D. Disso me livrarei eu muito bem. Pare-ceme (sic), descubro no teu semblante huma linha Marcial, que ameaça teres muito de irascivel, naõ só com os teus inimigos no campos, mas tambem, com os teus familiares na meza. Vejo entre outros Calistenes, que me parece hum cadaver em pè, porque sem advertencia se quiza introduzir na Corte, que he o sepulcro dos vivos, e particularmente dos Filosofos. Eu prefiro [54] esta minha Pipa ao teu Palacio, onde tem pouca duraçaõ o que quer professar a verdade. Eu, Alexandre, quero morrer de morte natural, e naõ violenta: sou demaziadamente verdadeiro, e tu excessivamente iracundo; deixa-me, que quero ficar na minha Pipa entregando-me ao verdadeiro estudo da Filosofia.

A. Jà que naõ queres vir comigo, pede-me ao me menos algũa mercê, que naõ faltarey em tudo o que me pedires.

D. Hum Filosofo que tudo despreza, tambem naõ faz cazo de quem pòde dar tudo, porque quazi tudo quanto dà, nada he seu.

A. Manda-me ao menos, que faça alguma cousa.

D. Jà que tanto apertas, eu te mando que te vàs embora, e que me deixes no meu socego. E se me podes dar o que te sobeja, deixa-me agora, e naõ me tires o que me naõ podes dar.

A. Que cousa pôde haver, que eu te naõ possa dar?

D. O sol, com que me aquento, e tu me impedes. Eu naõ quero a sombra dos Grandes, nem della faço cazo, porque ordinariamente esta sombra prejudica muitas vezes aos Filosofos.

A. Grande humor, grande engenho, e grande ingenuidade! Eu vos juro, amigos, que se nam fosse Alexandre, quizera ser Diogenes.

D. E eu juro, Alexandre, que se naõ fosse Diogenes nam quizera ser Alexandre.

A. E porque aborreces tanto, e detestas o meu estado?

D. Porque quem me contenta com o meu estado, està mais contente, e alegre do que aquelle que dezeja adquirir mayor grandeza, passando sempre os dias em dezasocego continuado: e assim peçote muito por favor, que me nam inquietes do meu descanso, e retirate, porque quero dormir algum pedaço, para [55] me refazer do sonno, que perdi a noite passada. Vê agora se eu poderia dormir quando quizesse, e estar descançado no meu apozento se estivesse no teu Palacio, e tivesse entrada na tua Corte: nella certamente havia de perder naõ só a liberdade de dizer, mas ainda a de obrar.

A. Se tu nella vivesses serias senhor de obrar, e de dizer tudo quanto quizesses muito à tua vontade.

D. Com tudo isso naõ me quero fiar muito nessas promessas; e he muito melhor viver pobre, e livre, que rico, e escravo.

A. Finalmente, Diogenes, jà que assim queres eu me vou; mas podes gloriarte de que te obedeceu hum Alexandre, cujo nome faz tremer todo o Oriente.

D. De frio, ou de medo?

A. De medo!

D. Por isso mesmo he de frio; porque bem frios sam todos os que tremem mais de hum homem do que de Deos. Eu que temo a Deos, te naõ temo a ti, e por isso nam quero responder maes. ◀Traum

Partio Alexandre admirado de como o tinha tratado Diogenes, mas muito mais admirado da substancial verdade, com que tinha Filosofado; porque nesta Practica restringio Diogenes tudo quanto em muitos volumes se pode ler sobre a arte de governar bem. Aos Principes tudo se deve dizer em epitome; porque os Aforismos Politicos se ideam à imitaçam dos Adagios vulgares: e ainda que muitos escreveram neste genero, poucos foram os que escreveram taõ bem como agora falou Diogenes. Bem sei que tudo isto foi sonho; mas se tudo quanto se sonha naõ he verdade, pode ser verdade muitas vezes o que contem a especie do sonho. Imagina hum homem sonhando, que anda, que passea, que vè campos, que vê batalhas, que vê riquezas, e que vê muitos cabedaes, e suposto que nada [56] disto vio, porque nam passou da sua cama, e talvez se nam bolio do mesmo lugar, em que se deitou, com tudo he verdade que passeam os homens, que ha campos, que ha Batalhas, a que ha no mundo riquezas: e assim se o que imagina he sonho, nada do que sonha deixa de existir. Por isso ainda que esta practica, e este discurso foi hum puro sonho, he com tudo verdade pura quanto nelle se contem. O que eu duvido muito he que haja preferentemente no mundo ao menos hum só Diogenes, nam faltando nelle muitos Alexandres: ainda que a culpa nam he totalmente dos Princepes, mas procede tambem dos Filosophos; porque jà hoje todos estes encaminham suas subtilezas, e os seus fins a achar na graça dos Princepes a pedra Filosofal do valimento, e deixam correr o mais como corre, o ponto està em que se nam alaguem as suas idèas, para dellas a seu tempo colherem o premeditado fructo de suas esperanças, invertendo nisto todos os dictames, e as boas regras da verdadeira Filosofia moral, cujo uzo he o mais util, e o que maes aproveita a todos. ◀Livello 2 ◀Livello 1