Citazione bibliografica: Anónimo (Bento Morganti) (Ed.): "Num. 4", in: O Anonymo. Repartido pelas semanas, para divertimento e utilidade do publico, Vol.2\004 (1753), pp. 25-32, edito in: Ertler, Klaus-Dieter / Fernández, Hans (Ed.): Gli "Spectators" nel contesto internazionale. Edizione digitale, Graz 2011- . hdl.handle.net/11471/513.20.4506 [consultato il: ].


Livello 1►

N.°.4

Como se deve communicar a Sciencia.

Livello 2► Racconto generale► Achava-me hum dia destes muito bem descançado em minha caza, quando me entrou pela porta dentro hum dos amigos com quem costumo associarme para tomar o meu passeyo, e entrou a persuadirme, que fosse com elle ouvir hum Orador, que tinha chegado por grande fama; que era hum homem doutissimo, e elegante, e que tinha conciliado para a sua estimaçaõ hum conceito grande de seus ouvintes, pela raridade da sua eloquencia, e pelo elevado de suas idéas, e era taõ fundo tudo quanto dizia, que lograva presentemente grandes creditos na Oratoria. Persuadiram-me as expressones do meu Amigo, que naõ pude recuzar o convite, princi-[26]palmente tendo eu pouco que fazer, porque naõ sendo assim, tambem naõ fora, pois ordinariamente estes Oradores elevados tocaõ no termo de impertinentes, e enfadonhos; finalmente chegamos ao citio, entramos com algum trabalho por estarem os lugares occupados, porque a fama tinha arrastado muita gente, e em breve tempo dei com os olhos no Orador. Dispos-se em publico com todas affectadas ceremonias do estillo, medio com pauza demasiada o lugar, e os assistentes, e deu principio à sua Oraçaõ: Metatestualità► mas logo soltou huns periodos tam cheyos de expressoens retumbantes, e frazes tam imperceptiveis, que custou muito a desfazer algumas para atinar com o que queria dizer; palavras taõ novas, e tam latinadas, que certamente era precizo hum novo Vocabulario distinto do P. Bluteau, para se achar a sua significaçaõ em Portuguez: ◀Metatestualità Declamou contra alguns vicios; e elogiou algumas virtudes com hũa rethorica taõ fexada, e taõ escura, q̃ cuido a mayor parte dos assistentes ficou em jejum sem saber o que se reprehendia, e o que se louvava. Vinha a exposiçam de alguns lugares taõ ordenada de flores de elegancia, e tam acompanhada de figuras Rhetoricas, que apenas entre ellas se podia distinguir o verdadeiro, e genuino sentido para que se traziam aquelles lugares: e nesta forma do principio atè o fim acabou o seu discurso com hum aplauso universal dos assistentes, sahindo quasi todos muito consolados, e satisfeitos do grande engenho do Orador, da sua funda sabedora, da sua rara eloquècia, e da elevada idèa de seus occultos pensamentos, e entre estes barbaros elogiadores observei alguns de qualidade tal, que ainda que o Orador fallasse em termos mais preceptiveis, intelligentes, e claros elles o nam entenderiam depois de estudarem sobre elles hum anno inteiro; mas sómente porque o nam entenderam, e porque o eco retumbante daquellas palavras, que nunca ouviram, fez nelles hũa impressam estranha, deram logo a [27] sua approvaçam, e conceberam hum grande conceito no q̃ ouviram, e quasi sempre isto basta no vulgo ignorante para estabelecer hum bom credito, e hum indelevel conceito. ◀Racconto generale

Impacientado de ter ouvido huma dessuza oraçam deste genero voltei para o meu amigo, e disse: Dialogo► ora e certo he, que agora cheguei a ver verificada parte daquella maxima estranha, e contraria com a razam que muitas vezes se defendeo nas Escolas, e que se acha em hum verso latino antigo que diz:

Citazione/Motto► Si sciat hoc alter, scire tuum nihil est.

Que vem dizer: A sciencia de hum homem he nada, se a comunica a outro; ◀Citazione/Motto porque entende que perde muito do que sabe, se o disser em termos, que todos o entendam. Mas eu com licença destes escuros, e sequazes de semelhante maxima, hei de acomodarme muito mais com o que diz Persio:

Citazione/Motto► Scire tuum nihil est, ni si te scire hoc sciat alter.

Perf. Satyr. I. vers. 17

Que he o mesmo, que se dissesse: A vossa sciencia he nada, se nam falais, e escreveis de modo que se conheça, que a tendes. ◀Citazione/Motto Pois naõ vi cousa mais barbara, a alhea, da razaõ humana, que querer hum homem persurdir aos outros, que sabe, e que he douto em qualquer genero de sciencia por termos negativos, isto he pelo que naõ diz, pelo que naõ explica, e pelo q̃ naõ escreve; porque esta expressam da sciencia em ninguem teve atè o presente lugar, se naõ em S. Paulo que foi douto, e sciente sem controversia, porque assim o confessa todo o mundo, e pelos termos negativos com que expressou o que vio nos ceos, he que deu a conhecer a sua sciencia, confessando claramente que naõ sabir dizer o que tinha visto, e o que nelles [28] achou; pois em tudo o mais he necessario, que a sciencia que se possue na realidade, passe para o conhecimento dos mais pelos porporcionados meyos da clareza, e da expressam inteligivel, de modo, que aproveite aos que ouvem, e lem o que se diz, e o que se escreve; e ainda que a todo o mundo possa ficar parte, ou todo do que cada hum mostra que sabe, nem por isso em si mesmo acharà diminuiçam alguma, por naõ ser a sciècia indivisivel em quem a possue, mas sim communicativa para quem a recebe.

Para hum homem de bom natural naõ ha gosto mais sensivel que o de poder satisfazer, ou aclarar o espirito dos mais. A isto se pode ajuntar que este exercicio he naturalmente seguido da sua justa recompensa, porque he quasi impossivel que naõ produza alguma ventagem a quem o pratica. A liçaõ dos livros, e as diversas ocurrencias da vida nos enchem todos os dias de materia para cuidar, e reflectir, e he muito natural dezejarmos que os nossos pensamentos, e idéas sejaõ revestidas de palavras, sem as quaes he difficultoso que se possa ter huma idéa clara, e distinta. Tanto que as vemos assim explicadas, naõ ha couza alguma que descubra melhor se ellas saõ justas, ou falsas, que o effeito que ellas obraõ sobre o espirito dos mais.

Metatestualità► Eu certamente tenho gosto excessivo de que no curso destes papeis se tem tratado diversos assumptos, e explicado algumas maximas pertencentes à vida civil, que a mayor parte dos leitores ignorantes, ou que o pequeno numero dos que sobre ellas tinhaõ alguma idéa, olhavaõ para ellas como tantos segredos, e consideraçoens occultas que guardavaõ somente para seu uzo, sem que as quizessem communicar ao publico.

O que confirma este pensamento he ver, e ouvir como muitos me reprehendem, e murmuraõ de ter com estes papeis abandonado, e entregue a sciencia à discriçaõ, e [29] liberdade do vulgo, e de a ter prestituido ao publico como alguns dizem. Outros me acuzaõ de ter exposto os segredos da prudencia, e da politica aos olhos de todo o mundo. ◀Metatestualità

A baxeza do espirito que vejo nestas murmuraçoens, cauza como tudo menos admiraçaõ, do que em outros seculos cauzaraõ algumas cartas escritas sobre o mesmo. Exemplum► Ainda se conserva huma carta que Alexandre o Grande escreveo a seu Mestre Aristoteles, sobre ter este Filosofo publicado alguma de suas obras: nesta Epistola se queixa Alexandre de que elle fez conhecer a todo o mundo tudo quanto lhe ensinou em particular, e concluio: Citazione/Motto► Que elle estimava muito mais exceder a todos os homens em sabedoria, que em poder. ◀Citazione/Motto ◀Exemplum

Exemplum► A Condeça de Aranda Luiza de Padilha, Senhora certamente de huma grande conprehençaõ, e sabedoria, se degostou muito de que o famoso Gracian publicasse o seu tratado do Discreto, por nelle mostrar aos olhos de todos, as maximas que se deviaõ reservar somente para o conhecimento dos grandes. ◀Exemplum

Muitos tem achado que saõ bastantemente solidas estas objeçoens, e para justificarem os authores referidos, pertendem mostrar que elles afectaraõ hum estilo escuro, para que só hum pequeno numero de homens pudessem entender as suas obras.

Exemplum► Persio Poeta Satyrico affectou ser escuro por outro motivo differente; mas como tudo hum Author Inglez; naõ podendo disfarçar o odio que conservava a hum estillo semelhante escuro, e imperceptivel, escreveo a hum de seus amigos nestes termos: Citazione/Motto► Vos me dizeis que naõ podeis resolver se Persio he hum bom, ou máo Poeta, porque o naõ entendeis: por isso mesmo eu affirmo que Persio naõ he bom Poeta. ◀Citazione/Motto ◀Exemplum A aplicaçaõ disto he clara para o intento, e naõ he preciso mais.

[30] Seja o que for; esta Arte de descrever, e falar de hum modo intelligivel, e claro he a mais bem aceita, e seguida por quantidade de Authores modernos. Depois de ter observado a inclinaçaõ universal que os homens tem, a tratar em segredo, e a reputaçaõ que muitos tem adquirida por benefiecio (sic) dos termos escuros, e de frazes embrulhadas em que confundem as suas idèas, resolveraõ, para se fazer menos preceptiveis, escreverem sem alguma idèa. Esta Arte da forma que hoje se pratica, e que muitos uzaõ, consiste em lançar acaso hum certo numero de palavras que formaõ diversos periodos, e deixar ao leitor, e ouvinte curioso o cuidado, e o trabalho de penetrar, e descobrir o sentido verdadeiro que nelles se quer intimar.

Exemplum► Os Egypcios que empregavaõ Jeroglificos para expressarem diversas cousas, representavaõ hum homem que limitava a sua ciencia, e fexava os seus descobrimentos uteis em si proprio, pela figura de huma lanterna surda, ou como dizemos de furta fogo, fexada por todas as partes, que ainda que tem por dentro muita luz, naõ dá claridade alguma aos que estaõ juntos a ella. ◀Exemplum Mas quanto a mim, entendo que he muito melhor que hum homem se disponha a communicar de tempo em tempo ao publico tudo quanto pode chegar ao seu conhecimento, e que parecer digno da sua estimaçaõ, comparando-se com huma alampada que se confome dando toda a luz que pode para utilidade, e beneficio de todos os que passaõ.

Racconto generale► Acabarei esta reflexaõ com a historia do Tumulo em que estava sepultado O Cruz- Rozada. Todos entendo que sabem que este chimico fundou a seita dos Irmãos da Cruz- Rozada, e que seus discipulos pertendem sempre fazer novos descobrimentos, os quaes naõ devem communicar a pessoa alguma fora da sua sociedade, na forma de seus inviolaveis estatutos.

[31] Hum certo homem que teve occasiaõ de cavar mais profundamente no lugar em que este Filosofo estava enterrado, achou huma pequena porta cercada por ambas as partes de hum muro. A sua curiosidade natural, e a esperança de que naquelle lugar estivesse escondido algum Thesouro, o obrigaraõ a penetrar a porta. Admirado de ver huma luz repentina, descobrio logo huma excellente abobeda, no fundo da qual estava a figura de hum homem armado sentado junto a hum bufete, tendo inclinada a cabeça sobre o braço esquerdo, e na maõ direita tinha hum bastaõ groço, e curto, e huma lampada ardendo diante delle. Tanto que este curioso entrou na caza, se levantou a estatua, e ficou em pé; ao dar outro passo, levantou a maõ em que tinha o bastaõ, e ao terceiro movimento do curioso, descarregou hum terrivel golpe com que fez a lampada em mil pedaços, de sorte que tudo ficou às escuras.

Com a noticia desta aventura, o povo daquella vesinhança foi logo ao Tumulo com lanternas, e tochas acezas, e se descobrio que a estatua, que era de bronze, era huma peça feita com machina de relogio, que o pavimento da caza era formado de chapas movediças, e que tinha por baixo diversos registros, que de sorte que quando se caminhava sobre o pavimento, produziaõ todos os effeitos antecedentes.

Este chimico conforme o que dizem os seus Discipulos, tinha feito esta invençaõ, para dar a conhecer ao mundo, que elle tinha achado o segredo das lampadas inextinguiveis dos antigos, e para impedir que pessoa alguma se aproveitasse delle. ◀Racconto generale

Deste humor ha ainda hoje muitos que reservaõ para si só o que sabem, e despidos de toda a caridade, e animo generoso, deixaõ ficar aos outros na ignorancia, e se [32] alguma vez querem communicar a sua ciencia he com huns termos taõ escuros, e imperceptiveis, que depois de se terem cansado muito, ficaõ os que ouvem, ou lem os seus discursos na mesma ignorancia em que de antes estavaõ. Naõ entendo que isto seja bom. ◀Dialogo ◀Livello 2

Lisboa:

Na Officina de Pedro Ferreira, Impressor da Augustissima Rainha Nossa Senhora,

Anno do Senhor 1753 ◀Livello 1