Citazione bibliografica: Anónimo (Bento Morganti) (Ed.): "Num. 13", in: O Anonymo. Repartido pelas semanas, para divertimento e utilidade do publico, Vol.1\013 (1752), pp. 97-104, edito in: Ertler, Klaus-Dieter / Fernández, Hans (Ed.): Gli "Spectators" nel contesto internazionale. Edizione digitale, Graz 2011- . hdl.handle.net/11471/513.20.4500 [consultato il: ].


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N.°.13

Da Hyporcesia (sic), e os meyos para se conhecer cada hum a si mesmo

Livello 2► Racconto generale► Cansado de ouvir disparates em huma grande conversasam de ignorantes, em que por dezastre me achei, ainda que muitos entendem que nesta qualidade nam deixo de fazer avultar o seu partido, busquei outro rumo, e andei de porta em porta espreitando aonde me poderia introduzir, que achasse algum alivio ao meu fatigado espirito. Corri boa parte das ruas principaes, algumas travessas mais proximas a ellas, e alguns lugares mais publi-[98]cos, e nem pelo rasto dei com parte aonde se fizesse alguma Assemblea donde se discoresse sobre couza util, e que servisse de alguma instrucçam para a vida civil. Tudo era contar factos sucedidos, que mais se deviam encomendar ao esquecimento, do que à memoria; principalmente quando dizem respeito ao credito, e reputaçaõ do proximo: referir patranhas sem pés, nem cabeça; levantar testemunhos falços mais pezados que as mós de huma fabrica da polvora, e outras couzas de similhante natureza, em que se perdia o tempo, e nada se lucrava. Mas por ultimo lá fui dar em huma pequena rua de poucos moradores, e como nam ouvi muita falacia, antes tudo estava em pacifico socego, logo disse com os meus botoens; se naõ engano neste citio de que se faz tam pouco cazo alguma cousa heide descobrir que sirva ao meu intento; porque gente que fala tam pouco nam deixa de se empregar em utilidade do commum; mas como estam estes homens parte aonde muitos os vejam, nem podem lembrar porque os nam conhecem, ou se os conhecem algum rayo de inveja tomou a direcçam para este citio, e entendo que nunca levantaràm cabeça, que he o que de ordinario sucede. Parece que me adivinhava o coraçam, porque achei o o mesmo que esperava. Entrei assim como quem vinha fugindo, por huma caza, que estava aberta, topei com hum pobre homem sentado ao seu bofete (ou tambem nam sei se era banca) cercado de livros pequenos, e bem vi, que nam e-[99]ram alfarrabios, e com elle estavam mais tres vizinhos seus, praticando, mas como entrei de repente nam pude perceber em que falavam: levantàram-se todos, receberamme com semblante alegre, e sem enfado, e logo me perguntàram o que queria. Expuslhe o motivo desta liberdade com o modo mais proprio, que me servisse de desculpa, e senteime tambem fazendo rancho. Depois de huma breve pauza, me disse o dono da caza: Dialogo► Senhor: Todos dizem, que o tempo he a cousa mais precioza, que os homens pòdem ter, mas adimirame a prodigalidade com que se esperdiça; a mayor parte delle tenho achado, que se consome inutilmente, e como eu, e estes meus vizinhos famos muito poupados, porque nam he muito o nosso cabedal para fazermos grandezas, de cousa que tam pouco se estima, aqui nos ajuntamos todas as tardes, e depois de nos consolarmos muito huns com outros sobre a nossa infelicidade, entramos a discorrer sobre varias materias, de que sempre desterramos tudo o que he murmuraçam, e que pòde resultar em prejuizo do proximo; a agora justamente quando V.m. entrou estavamos conversando sobre huma cousa bem importante, e que he muito frequente no mundo, ainda que jà fez melhor fortuna do que a que vai experimentando. Pois Senhor meu (lhe disse entam) nam vai a perturbar, continuem V.MS. a sua pratica, porque eu nam venho a outra cousa mais do que a aproveitar este bocado de tarde na boa companhia de V.ms. Pois amigo, iremos continuando sem ceremonia.

[100] A Hipocrisia nos Palacios, e nas partes junto a elles, he muito diferente daquella que se pratica em commum. O hypocrita da moda procura mostrar-se peor do que he; e o hypocrita commum deseja passar nos olhos de todos por mais virtuoso do que na verdade he. O primeiro parece, que teme tudo o que tem alguma apparencia de Religiam, e teria grande gosto se todos entendessem, que estava influido em muitas cousas más, ainda que na verdade naõ fosse assim: e o ultimo se reveste de hum exterior devoto, e esconde huma quantidade de vicios debaxo das excelentes apparencias da virtude.

Mas ainda ha outra sorte de hypocrisia muito differente destas duas, e he a de que estamos falando; quero dizer, esta hypocrisia, que obriga hum homem nam sómente a impor defeitos, e faltas sobre os outros, mas tambem a enganar-se a si mesmo. Esta hypocrisia, que lhe faz dobrado o seu proprio coraçam, que o persuade a que tem mais virtude, do que realmente tem, que o obriga a seguir os seus vicios, e reputalos com virtudes.

Se os impios de profissam merecem, q̃ os Escritores da Moral empreguem todos os seus esforços para os separar do vicio, e do desprezo da virtude, que cuidado, e que compaxam nam devem esperar, que delles se tenha os que caminham pelos passos da morte, e que imaginam estar na estrada da virtude? Este he o motivo porque determino dar algumas regras, q̃ possam concorrer para se descobrirem estes vicios, que se occultam entre os refolhos do coraçam, e para mostrar meyos pelos quaes se pòde che-[101]gar a hum verdadeiro conhecimento de sy mesmo. Os que ordinariamente se acham escritos, sam examinar os Preceitos, e Maximas do Evangelho, que devem servir para regularmos os nossos passos, e de compararmos a nossa vida com a de Jesu Christo, modelo da perfeiçam, guia, e mestre dos que recebem a sua Doutrina. Sobre estes dous artigos nam he precizo insistir muito; porque muitos doutos tem tratado delles com bastante energia, e efficacia, pelo serà superfluo tudo o que a seu respeito disser: e sómente proporei os meyos seguintes, para aquelles que quizerem conhecer os seus defeitos ocultos, e que se nam quizerem estimar em mais do que valem.

I. Em primeiro lugar, eu os exorto a que façam huma boa reflexam sobre o caracter, que conservam para como seus inimigos. Eteroritratto► Sucede muitas vezes, que os nossos mesmos amigos nos lizongeam, e que nos temperam tudo da mesma sorte, que faz o amor proprio: nam olham para os nossos defeitos, ou escondem, ou extenuam aos nossos olhos de huma fórma, que os consideramos muito leyes para cuidarmos nelles, e remedialos. Os nossos inimigos obram muito pelo contrario, porque estes espiam todos os nossos passos, e descobrem atè as minimas imperfeiçoens que temos; e ainda que a sua malicia os obriga muitas vezes a agravalas, quasi sempre se funda em alguma cousa verdadeira. Hum amigo augmenta as virtudes que muitas vezes nam ha, e hum inimigo exagera os vicios. Hum homem sabio, e prudente deve atender ao que ambos dizem, para se animar a pra-[102]ticar humas, e fugir dos outros. ◀Eteroritratto Exemplum► Plutarco escreveu hum Exame sobre os bons officios, que se pòdem receber dos inimigos, e diz que huma destas utilidades consiste em que as suas murmurações nos mostram pela parte mais fea, e que nos descobrem muitos defeitos, que nam poderiamos ter observado sem o socorro destes malignos censores. ◀Exemplum

II. Autoritratto► Em segundo lugar, para chegarmos ao nosso proprio conhecimento, he precizo examinar atè que ponto merecemos os elogios, que nos fazem; se as acçoens a que elles se encaminham procedem de hum bom principio; e se possuimos as virtudes pelas quaes nos fazem estes aplausos. Este exame he de huma absoluta necessidade sendo os homens muitos dispostos a se estimarem, ou condenar segundo a opiniam dos outros, e a sacrificar os testemunhos do seu coraçam ao juizo do publico. ◀Autoritratto

III. Em terceiro lugar, para nam nos enganarmos sobre hum artigo de tam grande importancia, Autoritratto► nam devemos ter huma idèa muito de certas virtudes que possuimos, e que sam hum pouco sospeitas; porque ha muitas pessoas tam doutas, e de hum juizo tam claro como o nosso, as quaes forma outra idèa muito differente. Devemos sempre proceder com muita cautella em certos cazos, em que nam he impossivel que deixemos de errar. ◀Autoritratto Hum zelo ardente, e a paxam em favor de huma Parcialidade, ou de huma opiniam, ainda que se entendam dignos de louvor por certos espiritos fracos, nam deixam [103] de expor o Genero humano a hum numero infinito de calamidades: a saõ huns principios em si mesmo bastantemente pèssimos. Eteroritratto► E com tudo nam faltam pessoas de huma piedade exemplar, que nutrem estes monstros em seu peito, e que os julgam como virtudes! ◀Eteroritratto Confesso, que nunca vi hum Partido, ou huma Parcialidade tam justa, e tam racionavel, que hum homem o possa seguir como todo o ardor de seu zelo, e conservar ao mesmo mo tempo a sua innocencia.

IV. Devemos desconfiar daquelles acções, que procedem do temperamento das paixoens que mais nos predominam; de huma educaçam particular, ou de tudo o que concorda com os nossos interesses mundanos. A respeito de todos estes cazos, e semelhantes, he muito facil de se perverter o juizo do homem, e se acha embaraçado com hum grande pezo, que o oprime. Estas sam as ocultas syrtes do esperito em que naufraga em hum milham de erros, e quebram outros tantos prejuizos sem se acautelarem, ou advertirem. Eteroritratto► Hum homem sabio deve ter por sospeitos todos os caminhos, que se lhe offerecem por outro qualquer principio, que nam for o da razam; e hade sempre temer algum mal oculto em qualquer designio que for de huma natureza equivoca, quando for conforme ao seu temperamento, à sua idade, e ao seu modo de viver, e que favoreça a sua paxam, ou seu interesse. ◀Eteroritratto

Nam ha cousa alguma, que nos seja de mayor importancia, como he fondar os nossos pensamentos, revolver os nossos coraçoens, se qui-[104]zermos ornar as nossas almas de huma virtude solida, e capaz de nos servir no ultimo dia, quando houverem de experimentar a força de huma sabedoria, e de huma justiça infinita. ◀Dialogo

Como se hia fazendo tarde, e eu tinha que ir lonje, nam me pude dilatar mais para ouvir alguma cousa sobre esta materia, mas hum dos bons amigos vendo que eu me apartava desgostozo, me disse: Senhor, jà que V.m. quer ter a bondade de nos fazer companhia, venha à manham mais cedo, que protesto nam dizer cousa alguma sem V.m. chegar; com este seguro me despedi mais contente, e veremos à manham o que se diz. ◀Racconto generale ◀Livello 2

Lisboa.

Na officina de Pedro Ferreira, Impressor da Augustissima Rainha Nossa Senhora. ◀Livello 1