O Anonymo. Repartido pelas semanas, para divertimento e utilidade do publico: Num. 8
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Ebene 1
N.° 8.
Sobres os Pobres mendicantes.Ebene 2
Allgemeine Erzählung
Quando assistia na Corte
conservava huma boa amizade, com hum Estrangeiro, homem de
Negocio grande, que era bastantemente instruido, e prudente,
o qual tinha huma quinta pouco distante de Lisboa, aonde hia
passar todo o Veram em companhia da sua familia, e como esta
ficava no campo todo aquelle tempo, vinha elle tratar de
seus negocios, equasi todos os dias voltava, mas no Sabbado
de tarde indispensavelmente me havia levar comsigo para passarmos juntos o Domigo (sic); porque na
verdade as ocupaҫoens, e o divertimento, o trabalho, e o
descanҫo devem dar a mam huns aos outros, e se vam revezando
tam arrebatadamente, que se nam póde fazer habito de se
possuirem juntos. Em o ultimo Sabbado, que fui em sua
companhia logo fóra das portas de Santo Antam nos investiram
dous pobres mendigos para que os socorressemos com alguma
esmolla debaxo do pretexto ordinario da mulher, ou do filho
em huma cama, de tres, ou quatro filhos pequenos incapazes
de ganhar a vida, e que estam quasi morrendo de fome, ou de
frio.
Fremdportrait
Para nos vermos livres
da sua impertinencia, foy precizo darlhe esmola, por que
sem isso ordinariamente nam largam a gente, e
continuamos nosso passeyo, acompanhados das
acclamaҫoens, e devotos agradecimentos daquelles
miseraveis. Tanto que nos desviamos alguns passos, me
disse o meu amigo Estrangeiro, nam he certo, que vamos
andando cheyos de benҫoas, e oraҫoens destes dous
pobres. Pois o mais certo he irem elles beber à nossa
saude huma boa vez de vinho na primeira taverna, que lhe
ficar a geito de sorte, que tudo o que nesta ocaziam
fizemos, nam passa de termos concorrido para o consumo
de algum vinho na taverna, augmentando por este meyo a
conveniencia do Taverneiro: exceptuo com tudo o valor
intrinseco da boa obra, e recta intenҫam da esmola,
porque sempre he della quasi inseparavel o merecimento.
Apenas vemos hum palmo de pano de huma côr
nos hombros destes miseraveis, mas por mais esmollas que
os fieis lhes dem, nunca os veremos com outra capa,
ainda que daqui a vinte annos os tornemos a encontrar,
porque esta he a primeira, e hade ser a ultima com que
se costumam cubrir; pois he necessa rio que andem sempre
cubertos com estes trapos para excitarem mayor compaixam
nos animos de quem para elles olha. Se as suas familias
se acham no estado em que elles as representam, he
certo, que nam pòdem estar bem cobertas, e estaraõ peor
nutridas; porque se nam pòde entender, que comem outra
cousa mais que pam, e agoa. E na verdade o grande numero
que ha na Cidade, e suas vezinhanҫas destes birbantões
mendicantes, serve de grande prejuizo ao commum, porque
dando na calaҫaria de pedir para si, e para suas
familias, diminue huma terceira parte de compradores às
fazendas, e generos, que devem ter consumo, e fazem mais
caros as do Reyno pela falta de hũa terceira parte de
gente que se empregue nos officios. Nam ha quem deva
menos animar estes Mendigos ociosos, como sam os que
vivem de Negocio. He bem verdade, que muitos generos vem
de diversas partes do Reyno, mas a mayor parte dos que
se estimam procedem do trabalho do povo: e quem se hade
aproveitar das obras, e do trabalho destes ociosos,
concorrendo continuamente para andarem sempre com os
braҫos cruzádos, e dando com huma perna na ontra? As
esmolas que recebem das nossas mãos sam as gajes da sua
occiozidade. Muitas vezes me tem lembrado, que se nam
devia permittir, que possoa alguma fosse
assistida com as esmollas dos Grandes, e das Freguezias,
ou que andasse pedindo pelas ruas, e pelas escadas, em
quanto pudesse trabalhar para ganhar a vida, e quando
chegasse ao estado de o nam poder fazer, entam he, que o
Publico devia suprir cum a esmola a sua impossibilidade
natural, mas nam fomentar tam cegamente a vicioza. Se se
(sic) observasse rigorosamente este methodo, e isto seria
o verdadeiro meyo de se augmentar o consumo das
manufaturas do Reyno para fóra delle. A reduҫam do preҫo
pelo trabalho poderia chegar para as despezas do
transporte para os Paizes mais distantes, o que seria
igualmente conveniente para os que possuem as terras, e
para os que se aplicam ao negocio. Mas se tantas mãos
novas ocupadas ao trabalho pòdem produzir este bom
effeito a respeito do Negoceante, e do Senhor das
Terras; bem se pòde acrescentar, que a nossa
liberalidade para com estes ociosos Mendicantes, junta a
todos os obstaculos, que impedem o augmento dos
officiaes, deve ser tam pernicioso a hum como a outro.
Como isto he mal tam invererado na republica, parece-me
que tarde poderà ter remedio, e o ponho na
clase dos incuraveis, porque entendo que nam se ha de
pôr em execuҫam, meyo, que possa produzir o effeito
precizo, e necessario para se extinguirem estes
atravessadores das esmollas que pertencem aos pobres
legitimamente necessitados, e como a persuaҫam nam
basta, verey se podem fazer alguma cousa os exemplos;
porque he certo, que neste genero de pessoas he mais a
ambiçam, e o vicio de pedir, do que a necessidade para
os obrigar a semelhante exercicio. Veja-se agora se ha, ou nam atravessadores de
esmollas, e nam sei como as leys assim como
castigam os atravessadores dos mantimentos pelo
prejuizo, que se segue ao commum de lhe fazerem mais
caro o sustento, nam castigam tambem estes
atravessadores pelo prejuizo, que causam á verdadeira
pobreza; pois nam só lhe tiram o que levam, mas com
estes exemplos introduzem huma má fé, porque impedem a
liberdade para a esmola, porque se entende, que vestindo
todos os pobres quasi o mesmo habito, pòdem ter sem
differença a mesma natureza. Protesto, que isto, que
digo nam he por ser contrario a todos os actos de
caridade: porque nam permita Deos, que assim seja; antes
confesso, que nam ha virtude alguma, que nos seja tam
recomendada com termos mais fortes do que esta: E Christo bem nosso olha para a pratica, ou para
a nigligencia da caridade para com hum pobre, como se se
exercitasse, ou violasse seu respeito; e quanto a mim
de(...) efficazmente obedecer à vontade de meu Senhor, e
Divino Mestre. E por isso posso dizer, que se ha algum
homem industriozo, que se sugeita a trabalhar, e a
passar hũa vida laborioza, para ganhar o seu sustento,
sem se expor à vergonha de andar pedindo pelas ruas, e
de porta em porta, este sim, que he o que tem fome, e
sede, e o verdadeiro nù do Evangelho: e se algum se
chega ao nosso amparo para se reparar da perseguiçam, ou
da miseria, este he o verdadeiro pelegrino,
que devemos receber. Se algum de nossos compatriotas
cahio nas mãos dos Infieis, e que em seu poder soffre
hum cruel cativeiro, este he o verdadeiro prezo para
cuja soltura se devem empregar as mayorres forças.
Certamente se pudesse daria quanto tenho a hum Hospital
de miseraveis, que se achassem impossibilitados para
ganhar a vida, naturalmente, ou por enfermidade natural,
ou pelo serviço da Republica, mas nam daria huma só
esmolla para fomentar huma tropa de perguiçozos, e por
esta razam entendo, que nam teria cousa alguma de que me
acuzar, se tivesse negado a esmolla a estes pobres, que
encontrámos; E o certo he que se nam devia consentir que
estes ociosos, e abominaveis homens, capazes de
trabalhar muito bem, empreguem o nome de Deos, e tudo o
que ha de sagrado no mundo Christam, para extorquir de
hum Catholico, e de todas as boas almas a titulo de
esmola com que sustentar o pessimo curso da sua vida,
sem esperança alguma de se poderem tirar della, porque
já tem nelles feito habito o vicio.
Fremdportrait
veriamos aparecer huma
turba de novos officiaes, que podiam contribuir
segudo as aparencias, para diminuir o preҫo das
obras, que se fazem. Bem se pòde dizer que a alma do
negocio he comprar barato, e vender caro. O mercador
deve remeter sobre o menor custo, que lhe for
possivel, para achar mayor lucro no retorno, e nam
ha cousa que possa conduzir melhor para este fim
como he a diminuiҫam da despeza, que pòde fazero
(sic) trabalho das manufacturas;
Allgemeine Erzählung
Entre muitas historias, que se contam a
este respeito, heide referir huma bastantemente
moderna, pois entendo que ainda he viva huma das
pessoas, que entram nella, porque a principal nam ha
duvida, que nam ha ainda oito dias que a vi. Havia
jà alguns annos, que hum Cavalheiro de muito boa
vida, e costumes, e presentemente he Brigadeiro de
hum dos Regimentos da Corte, muito esmoler, e
caritativo, costumava dar todos os dias dez reis de
esmolla a hum destes fabulozos necessidados, por
entender segundo as aparencias, que elle era
verdadeiro pobre; haverá pouco mais de tres annos,
que em hum dia da semana depois de ter agarrado os
dez reis, que com a propria mam lhe deu o bom
Cavalheiro, feitos os offerecimentos do estillo se
chegou a elle, com hum tom de vòz piedozo, e devoto,
e lhe disse:
Dialog
Eu Senhor
ha tantos annos, que vivo tam obrigàdo á caridade
de V.S. e tenho recebido tantas demostraçoens da
sua boa consciencia, e verdade, que me vejo na
preciza obrigaçam de corresponder de alguma sorte
a tanta cousa junta; e assim sei, que
anda em Praça para se arrematar huma quinta, que
nam he de mao rendimento, a qual desejo comprar,
para o que já mandei offerecer por terceira pessoa
quatro mil cruzados, pelo que quizera, que V.S.
tivesse a bondade de fazer a compra em seu nome
com a condiçam de eu em minha vida me utilizar do
rendimento, e por minha morte a deixar livremente
a V.S. para a possuir como sua, pois sei, que tudo
o que comigo ajustar, hade ser a pura verdade,
porque conheço, que o seu genio nam he capaz de
outra cousa; e quando suba o lanço, nunca V.S.
deixe de o cubrir atè cinco mil cruzados, que logo
porei promptos na sua mam. Admirou-se muito o bom
caritativo em ver que os seus quotodianos dez reis
tinham concorrido para formar hum ambiciozo, e
muito mais de ver como hum miseravel homem, que
podia com o seu aspecto estorquir esmola ainda de
dentro de hum coraçam mais avarento, se offerecia
a exibir tam promptamente huma quantia grande; e
depois de fazer algumas admiraçoens em que
mostrava o seu interno descontentamento, lhe disse
com muita brãdura: irmaõ torne-me a dar os meus
dez reis para os dar a hum pobre, porque quem tem
jà cinco mil cruzados, nam necessita de esmolas, e
nam prejudique com a sua ambiçam, e mao exemplo
aos outros, que tanto verdadeiramente o
necessitam: eu nam quero nem a sua quinta, nem os
seus agradecimentos, e và fazer este contrato com
alguem, que tenha tam boa consciencia como a sua e
nem torne mais a minha caza.
Exemplum
pois diz Christo bem nosso
por S. Matheus. Que se deve dar de comer, e de
beber; que se devem receber, e agazalhar os
pelegrinos, que se devem vestir os nùs, e que se
devem visitar, e acudir aos enfermos, e carcerados.